1995. Segunda gravidez, a primeira
filha do segundo casamento com um homem de antecedência negra. Havia uma
expectativa muito grande em relação ao cabelo da criança. Isso mesmo, não pela
sua saúde, mas sim pelo seu cabelo. “Que não nasça ruim”, pensava os familiares
e nos primeiros meses de nascida, a bebê não apresentou cabelo nenhum. “Parece
até um menino”, “Será que o cabelo é tão ruim desse jeito até para crescer?” e
as expectativas pareciam só aumentar mesmo após o nascimento da menina.
Foi então que cresceu. Longas madeixas
encaracoladas de tons castanhos claros. Muito cabelo e bastante cheio, sua mãe
se divertia fazendo chiquinhas e tranças, aproveitando do cabelo cacheado da
menina que ela amava mais do que os próprios fios negros e lisos. Mas os familiares,
ah, os familiares não pareciam satisfeitos. “Tem cabelo demais”, “nem dá pra
ver o rosto dela”, “Seria melhor se fosse igual ao da irmã mais velha”, “Que
cor feia! Se pelo menos fosse preto igual o da mãe...” E assim, mesmo possuindo
cabelos tão lindos, a menina, ainda tão pequena, passou a detestar as próprias
madeixas. Enquanto crescia, adquiriu gosto pelos cabelos curtos e até tentou
aderir algumas vezes. Os cachos foram cortados, os longos castanhos, tornaram-se os curtos ondulados e volumosos. Mas, era alvo de piadas e brincadeiras de mau
gosto, olhares tortos, ouvia opiniões
que não lhe acrescentavam em nada. Reprimida, percebeu que infelizmente, ter as
mechas curtas, como tanto gostava, era pedir demais.
Com 15 anos, decidiu colocar química no
cabelo. Não era nada forte, iria apenas abaixar o volume e deixa-lo
apresentável. Não que já não fosse antes, mas havia aprendido da pior forma que
era a sociedade quem ditava as regras, em todas as áreas. Sua mãe, apesar de
ser contra, deixou que a menina fizesse o que bem entendesse. Os primeiros dias
pós-química foram maravilhosos. Ela era elogiada, ninguém fazia piada sobre
seus cabelos e não a olhava torto, era tudo o que ela queria. Mas com o
passar dos meses, a química começou a sair e seus fios a encaracolar. Mas ela
não o queria de volta, sua solução mais rápida foi pedir por uma chapinha.
Esticava o cabelo inteiro três vezes por semana e quando percebia um ou dois
fios rebeldes, esticava de novo.
Passou a guardar o próprio dinheiro
para investir em alisamentos, pois a chapinha não servia mais. Na cabeça dela,
só estaria bonita se seus cabelos estivessem 100% lisos e estirados. Mesmo que
sua mãe e algumas amigas dissessem que não era necessário, ela não dava
ouvidos. Sem seu cabelo “liso”, ela não era ninguém. Chegou até a usar as
madeixas levemente cacheadas, mas alisava antes e depois enrolava as pontas,
para não correr o risco.
Aos
18 anos seu cabelo estava um lixo. Ressecado, frizzado e quebrado. Tão quebrado
que era necessário amarrar os de cima pois estavam bem mais curtos que os
demais. Não tinha mais volta. Seus cachos haviam morrido e ela teria que se
acostumar com o resto de cabelo que
ainda tinha. O arrependimento era constante, mas achava que não tinha mais nada
a se fazer. Era 31 de dezembro de 2013 quando percebeu que não queria mais
aquilo pra sua vida. Escravizara seu cabelo e a si mesma por três anos e não
iria continuar. Não mais. “Em 2014 eu vou voltar ao meu cabelo natural” fora
sua promessa de fim de ano. E ela levaria a sério.
Em
Janeiro cortou as pontas agredidas e iniciou seu projeto. Hidratações, cremes,
tutoriais, bobis, massagens capilares, reconstrução, nutrição, tudo que lhe era
favorável. Fazia escova vez ou outra, quando julgava necessário. Finalmente
pôde notar os fios crescendo, tendo brilho, ganhando maciez, voltando a vida
que antes lhe fora queimada. Em 7 de Janeiro de 2015, ela cortou a última
remessa de alisante que restava. Naquela quarta-feira, ela finalmente se
libertou. A partir daquele dia, poderia finalmente se olhar no espelho e
não se preocupar se agradaria A ou B. Estava agradando a si mesma e era só isso
que importava. Mesmo sabendo que ouviria piadas idiotas sobre não ter penteado
as madeixas ou “o leão finalmente usou seda” quando as escovasse vez ou outra,
ela não se importava.
Era
uma escolha dela e ninguém mais
ditaria como ela deveria ser. Não só nos cabelos, mas nas vestes, nas atitudes,
nas opiniões, em tudo.
Ela
era quem ela queria ser.
Extraído de um diário pessoal.
12 Comentários
Mesmo com os encontros provocados (algumas vezes) pelo mesmo ônibus que pegávamos no maravilhoso ano de 2012. Meus fones e a minha distração pelo mundo me impediram de enxergar a menina que ouviria/ouvirá minhas cantadas (Boas ou não? Hahaha) por quatros anos na faculdade.
ResponderExcluirNão lembro bem no que tinha reparado em você no final de 2013 ( E o porquê de não ter feito isso antes) Mas lembro de que quando finalmente o fiz, percebi que você é uma linda. (Principalmente com os cabelos cacheados HAHAHAHA)
E aff, a menina ainda termina citando Caetano fucking Veloso ♥
Belo texto, Valadares :D
HAUHAUAHUHAUAH SABIA QUE VOCÊ IA FALAR DE 2012!
ExcluirO pior foi a minha cara quando te vi na sala, fiquei bem "gente, eu já vi esse menino em algum lugar da vida ... MEU DEUS, NO ÔNIBUS, QUE MUNDO PEQUENO" pois é. E sobre suas cantadas, há variações, viu? :P
Ô, e eu nem lembro quando nós começamos a nos falar, provavelmente tem a ver com Carol, né? AHUHAUAH mas que bom que ela nos fez amigos e sim, sabemos todos o quanto você é fã dos meus cachos HAHAUAH
Óbvio que sim! Me nomearam leãozinho, precisei fazer juz ao nome. ♥
Obrigada, Oliveira! :D
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirHAUHAUAHUAHAUHUAHAU VOCÊ NÃO VALE NADA, PRISCILLA!
ExcluirSendo assim, que eu seja rainha então! ♥
É triste ver que as coisas acontecem dessa forma. Velho, você era só uma criança... e a sociedade querendo colocar na sua cabecinha padrões aos quais você não tinha culpa de não se encaixar. Enfim, triste história (mesmo com um final feliz), mas um belíssimo texto!
ResponderExcluirExatamente, Yago! Padrões os quais nenhuma criança deve ser imposta a se encaixar, uma vez que todos tem o livre direito de ser como é. A situação no Brasil hoje é que todos querem ser iguais aos outros, deixando de lado a sua própria essência, nas mais diversas áreas. Cabelo crespo e cacheado hoje está na moda, todo mundo resolveu assumir. Mas quando passar? Vai todo mundo alisar de novo? Seria tão mais lindo se todos se dessem ao trabalho de sair do senso comum...
ExcluirE obrigada! Fico feliz de ver o senhor marcando presença aqui! :D
Tô aqui pra dizer que você é tão linda quanto é talentosa e, olha, você tem muito talento! Que bom ver que você cresceu, MENININHA, e que está feliz por ser quem e como é. Parabéns pelo seu texto e por sua atitude! Sou fã e.... ah... casa comigo?
ResponderExcluirNossa, assim você me quebra! HAUAHUAH Obrigada, obrigada! Fico feliz de ter consigo sensibilizar com o texto da maneira que eu pensei e ter tido tanta repercussão! Ah, a emoção não me cabe!
ExcluirE que sdds desses pedidos, eu caso sim, eu caso tudo! ♥
"Engraçado" como essas coisas na infância tem poder de ir moldando a gente, né? Aí precisa toda uma montanha-russa dessas para conseguirmos começar a ver o nosso lado da moeda..rs
ResponderExcluirMinha jovem, que texto lindo! Nos fez sim sentir o que vc intentou, e - claro - nos deixou tão orgulhosos como certamente vc também deve ter ficado kkk ^^
p.s.: cachinhos rules 4life!
/o/ ~to the windoooow \o\ ~to the waaallllll
Exatamente! Incrível como as coisas ditas doem tanto na infância, porque a gente não tem discernimento suficiente para saber até que ponto acreditar e aí acaba resultando em uma bola de neve que só para de crescer quando se toma atitude.
ExcluirDona moça, obrigada!! Fico feliz que tenha passado essa ideia, a intenção era essa mesmo xD
CACHINHOS RULES UHU ASLDJAKLJ
É comum e ao mesmo tempo triste ver como os pequenos "detalhes" de uma pessoa influenciam os julgamentos da sociedade, principalmente de quem é próximo. Fico feliz que você tenha percebido que apenas estar satisfeito com a própria aparência é o que vale! ♥
ResponderExcluirAliás! Seu cabelo é maravilhoso, amiga! E você é uma escritora de mão cheia, parabéns! ♥
Mareana! ♥
ExcluirÉ triste mesmo, sabe. Acho que a dor maior é em relação a proximidade das pessoas envolvidas. Aqueles que deveriam cuidar, perderam tempo julgando e impondo padrões que nenhuma criança deveria ser submetida! Triste mesmo.
Ai, sua linda! Obrigada... duas vezes! HAUAHUAH ♥♥
(E obg pelas inúmeras tentativas de comentar, você é guerreira! AHUAH)