Se você
procurar “Hipsters” no Google, vão aparecer inúmeras imagens de gente
considerada descolada tomando café do Starbucks. Hipster é aquela “tribo
urbana” que virou tendência nos últimos anos por serem diferentes de todo
mundo, os hipsters são
conhecidos por não gostarem do que é “mainstream”. Mas se você olhar no Google
Imagens, você só vai ver gente branca lá sendo classificada como hipsters. Se
você quiser ver um negro com as roupas “de hipster” e fazendo o que “os
hipsters fazem”, vai ter que colocar “hipsters negros” no google, onde vai
aparecer meia dúzia de imagens de pessoas negras lindas de morrer, e o resto
vai ser só de gente branca. O mesmo acontece se você colocar Black Hipsters,
apesar de o número de imagens de pessoas negras na pesquisa em inglês ser
maior, ainda vai ter um mundo de gente branca lá.
Procure
por Geek, Patricinha, Góticos, Roqueiros, Emos, Otakus, enfim, qualquer outra
tribo urbana. Só o que você vai encontrar é gente branca, se quiser encontrar
imagens de negros de qualquer uma dessas tribos, vai ter que digitar a tribo +
negros. E mesmo assim a esmagadora maioria das imagens vai ser de gente branca
- isso sem falar nas várias imagens de descriminação racial -. Será que negros
não fazem parte de tribos? Será que negros não tem amigos, saem com sua turma,
e curtem um estilo musical específico? Eu mesma vou me responder, dizendo que
sim, nós fazemos parte de tribos. Durante os meus vinte anos de vida já fiz
parte de diversas tribos, dos otakus, roqueiros, e geeks, e atualmente há quem
me rotule de hipster/alternativa. E as pessoas que andavam/andam comigo nessas
tribos, em sua maioria são pessoas negras. Afinal moro no Brasil, mais da metade
da população é composta por pessoas negras.
Mas
então porque quando procuramos no Google por qualquer tribo só encontramos
pessoas brancas? Por que quando ligamos a TV só encontramos pessoas
brancas? E quando encontramos pessoas negras, elas são personagens
secundários/a empregada/o ladrão? Porque não somos representados? A resposta é
óbvia e dura: racismo. Deixamos de ser representados o tempo inteiro, não
porque não existimos, mas sim, porque vivemos numa sociedade onde ser negro ou
ter traços de negro significa ser feio. Nesse contexto nós crescemos e vivendo,
com referências apenas do padrão eurocêntrico (branco). Quase sempre nos
achando feios, e procurando parecer o mais brancos, e parecidos com as nossas
referências brancas o quanto for possível. Uma das minhas “referências de
estilo” são as pin ups.
Segundo
a Mundo Estranho as “pinups” eram modelos que estamparam pôsteres sensuais com
uma estética muito própria nas décadas de 40 e 50. Popularizaram-se na Segunda
Guerra Mundial, quando soldados norte-americanos penduravam seus pôsteres nos
alojamentos (daí o nome “pin-up”, que significa “prender com tachinhas”, em
inglês). As pin ups são conhecidas por terem os traços bem finos, delicados,
bocas finas, cabelos lisos e franjinha. Não preciso dizer que não existiam pin
ups negras, ou que na verdade, nenhuma nunca foi retratada. Certa vez, li
que o contexto de tempo em que as pin ups existiram foi um dos mais racistas da
história, por isso não tinha pin up negra. E eu levei esse argumento para a vida
por um bom tempo. Até me surgir a oportunidade de escrever esse texto, e ver,
que não existe nem existiu tempo mais racista que outro. O mundo foi, e ainda é
extremamente racista, se não fosse, as imagens que encontramos quando digitamos
“hipsters” no Google, não seriam só de pessoas brancas.
Se o
“tempo” em que vivemos fosse menos racista, não teriam chovido críticas quando
Lupita Nyong'o foi eleita a mulher mais bonita do mundo. E comparações com
outras negras “mais bonitas”, que só são consideradas “mais bonitas”, por terem
traços embranquecidos. Seja o cabelo alisado, o nariz mais fino, o olho mais
claro. E a Lupita não tem nenhum traço embranquecido, apesar do seu rosto
extremamente perfeito, bem “delineado”, Lupita é uma negra sem traços brancos,
e isso logo fez os racistas se irritarem e criticarem. Mas é fato que quando
Lupita foi eleita a mulher mais bonita do mundo, as mulheres negras se sentiram
representadas.
Voltando
as pin ups, apesar de não ter nenhuma representação de pin up negra, eu me
inspiro muito no estilo delas, quem me encontra no dia-a-dia sempre me vê com
uma bandana vermelha na cabeça, uma blusa de bolinhas. Enfim, referências
óbvias as mocinhas sensuais da segunda guerra, muito me encantam. Justamente
por serem sensuais, apesar das pin ups serem usadas para a objetificação
feminina para os homens. Sempre achei que elas representavam o início da
libertação sexual feminina, apesar do “que angelical”. Mas pensando mais um
pouco, vi também que nós negras, sempre fomos sinônimo de libertinagem, logo
nossa libertação sexual, tem um sentido completamente diferente do das mulheres
brancas, mas isso é assunto para outro texto.
Filha da atriz Viola Davis, a primeira mulher negra a ganhar o prêmio Emy |
E, o que
quero trazer a tona nesse texto, é a importância de nós negros e negras sermos
representados. As pin ups não nos representa pelo contexto sexual. O povo negro
praticamente criou o rock e o rei do rock é um homem branco. O rei do Pop era
negro, mas se embranqueceu. Mas não seguiremos sem nos calar, se for preciso
vamos nos inspirar nas pin ups pra nos sentirmos representadas, nos
inspiraremos, eu vou continuar me inspirando pelo menos. Vamos fazer cosplay de
Batman, e Mulher Maravilha, mesmo sendo personagens brancos. Vamos vestir
nossas crianças de Viola Davis, e Lupita. Vamos mostrar que o povo negro existe
e resiste, e já que me consideram hipster por aí, concluo que acho gente branca
mainstream demais.
Leia também os demais textos do especial #BlackPinupGirls:
2 Comentários
Ah, que texto maravilhoso. Fico muito feliz ao ver mais e mais negros colocando a voz no mundo para denunciar o racismo nosso de cada dia, que muitas vezes encontramos até dentro do próprio lar. Temos voz, vamos nos fazer ouvir e causar incômodo no status quo que resiste ao empoderamento crescente. Essa é a primeira etapa de uma tomada de consciência social, por isso é tão dolorosa para quem ousa tocar na ferida. Parabéns pelo blog! Gostei muito.
ResponderExcluirOi, moço! Eu fiquei exatamente assim quando a Rafaela me mandou esse texto.
ExcluirEsse especial foi postado em novembro do ano passado com o intuito de trazer discussão acerca de um "espaço" ou estilo, como as Pinups, que ainda predomina como um lugar branco. E é exatamente isso, nos fazer ouvir e causa incômodo, pois, se permanecermos calados, concluirão que está tudo bem. Quando, claramente, não está.
Fico imensamente feliz que tenha gostado da iniciativa, uma pena que não pude fazer esse ano, estava lotada de coisas na faculdade! Depois dá uma passada nos demais textos da série, os links estão ali abaixo, e confere os depoimentos das demais meninas!
Adorei ver você por aqui, viu, volte mais vezes! :D