[COLABORAÇÃO] 13 Reasons Why NÃO “romantiza” o suicídio

AVISO: Este texto contém SPOILERS sobre a 1ª temporada da série 13 Reasons Why (Os 13 Porquês)!
Talvez você já tenha se esquecido de 13 Reasons Why e da polêmica que a série provocou lá por volta do mês de abril deste ano. Se for esse o caso, eu sugiro que você leia primeiro esse post que a Thiarlley escreveu na época, pois é sobre isso que eu vou falar agora.
Depois que a série “bombou” e se tornou o assunto mais comentado das redes sociais, eu comecei a ver muitas pessoas (inclusive a Thiarlley) criticando-a. A principal reclamação era que a história teria “romantizado” o ato do suicídio. Houve até vários youtubers que correram para lançar vídeos alertando as pessoas para não assistirem a série, num tom sensacionalista que fazia parecer que assistir a ela era uma espécie de caminho certo para a morte.
Na época, isso me incomodou muito. Não apenas por causa de todo o exagero, mas principalmente porque eu acredito que é um equívoco dizer que houve uma “romantização” do suicídio de Hannah Baker (Katherine Langford). Mas como eu não tinha uma plataforma onde publicar meus argumentos, decidi apenas ficar quieta. Agora, a (linda da) Thiarlley me ofereceu um espacinho aqui no blog para eu dar a minha opinião a respeito. E como faz tempo que eu estava querendo escrever para o Apenas Fugindo, eu não ia desperdiçar essa chance, não é?


Então vamos lá. Em primeiro lugar, eu acho que o termo “romantizar” tem sido usado pelos críticos sem muita consciência sobre o seu significado. “Romantizar” significa “tornar romântico”. E procurando “romântico” no dicionário, a definição que eu encontrei que mais se aproxima do que eu acho que os críticos querem dizer é a seguinte:

ro.mân.ti.co adj. [...]
2. fantasioso; não prático; irrealista.3. imbuído de ou dominado pelo idealismo, por desejo de aventura, cavalheirismo, etc. [...]

Considerando essa definição, é difícil dizer que o suicídio de Hannah Baker foi “romantizado”. Não houve nada de fantasioso: os motivos dela foram bem reais. E embora haja controvérsias sobre a validade de alguns deles, outros, como o estupro cometido por Bryce (Justin Prentice), são inegáveis.
Também não se pode dizer que a série foi irrealista. Na verdade, ela talvez tenha sido até realista demais, ao mostrar a cena do suicídio de maneira tão explícita, exibindo passo-a-passo como Hannah procedeu para tirar a própria vida.
E é difícil dizer que houve qualquer tipo de idealização do ato quando se assiste as cenas que mostram o que restou das vidas dos pais dela depois que ela se foi. Ou quando paramos para pensar, e chegamos facilmente à conclusão de que o suicídio de Hannah não trouxe nenhum tipo de solução. Bryce continua solto, Clay (Dylan Minnette) continua perdido, Jessica (Alisha Boe) continua sofrendo. Nada mudou para melhor ali. Que tipo de idealização é essa?
Por tudo isso, eu sustento que os criadores da série não “romantizaram” o suicídio. Mas sabe quem fez isso? William Shakespeare. Paremos para analisar brevemente o enredo do clássico Romeu e Julieta:

Os dois jovens se conhecem em uma festa e se apaixonam perdidamente à primeira vista. Quando descobrem que suas famílias são inimigas, eles ficam desolados, mas o amor é mais forte. Alguns dias depois, eles se casam às escondidas. Devido à uma confusão que terminou em tragédia, Romeu acaba sendo exilado da cidade. Prestes a ser obrigada a se casar com Páris, a quem estava prometida, Julieta pede ajuda a um padre, que lhe dá um líquido que lhe permitiria forjar a própria morte. O padre manda uma carta para Romeu, avisando-o do plano. O rapaz, porém, não recebe a mensagem e pensando que a amada está morta, bebe veneno e morre junto a ela. Julieta então desperta e, ao encontrar Romeu morto, usa o punhal do rapaz para se matar. Detalhe: Romeu tinha 16 anos e Julieta, apenas 13.

Esse sim, é um exemplo de “romantização” do suicídio. A história do casal é completamente envolta em um ideal de amor que simplesmente não corresponde com a realidade. Isso se faz notar em todos os detalhes da peça, com destaque para o curto intervalo de tempo entre o momento em que o casal se conhece e a sua morte (apenas alguns dias), e para as idades dos dois, que eram praticamente crianças.
Mas é possível, então, dizer que o suicídio de Hannah foi retratado de maneira completamente realista? Não. O que Jay Asher, autor do livro que deu origem à série fez foi dramatizar a história da personagem. De acordo com o dicionário, “dramatizar” significa “tornar dramático, comovente ou interessante”.
E isso é o que todo autor de ficção faz. O trabalho de um escritor, bem como o de qualquer outro artista, é se apropriar de elementos e situações da realidade e transformá-los em algo que seja interessante. É assim que ele pode chamar a atenção das pessoas para tópicos importantes que de outra forma passariam batidos. E é assim, também, que ele entretém e emociona as pessoas.
Uma coisa é ler no jornal a manchete: “Transatlântico naufraga deixando 1517 vítimas”. Outra é assistir ao filme Titanic, do diretor James Cameron. Ao ver a notícia, podemos ficar tristes, pensar “que tragédia!” e passar algum tempo falando sobre o assunto. Mas com o tempo, a história inevitavelmente será esquecida, conforme novas notícias cotidianas forem desviando a nossa atenção. Quem assiste ao filme, por outro lado, se envolve tanto com o romance de Jack e Rose que dificilmente consegue esquecê-lo. Muitas pessoas (como esta que vos escreve) inclusive choram todas as vezes em que assistem o filme.
A minha preocupação como autora, ao ver as pessoas criticando 13 Reasons Why e dizendo que a série “romantizou” o suicídio, é que com o tempo, ninguém mais possa escrever sobre o tema. O meu medo é que com isso, esse e outros tópicos acabem sendo transformados em tabus, de modo que ninguém possa dramatizá-los para encaixá-los em uma obra de ficção.
Nós precisamos falar sobre o suicídio. Precisamos escrever, desenhar, filmar, musicalizar sobre o suicídio. E também sobre o bullying. E sobre o estupro. E sobre a homofobia. É assim, e só assim, que esses tópicos se tornarão alvo de discussão do grande público.
No vídeo abaixo, a youtuber Cris Siqueira do canal Coxinha Nerd fala um pouco mais sobre isso. Ela compartilha da minha preocupação em relação ao tema:



Há razão para criticar a série?

Em minha opinião, 13 Reasons Why veio de um lugar positivo. Há algum tempo, o autor do livro no qual a série foi baseada revelou que na primeira versão da história, a tentativa suicida de Hannah não era bem-sucedida. Mas depois, em conversa com o editor, eles decidiram que seria melhor mudar o final da história, a fim de que ela causasse mais impacto e enfatizasse a seriedade dos assuntos trabalhados.
Além disso, a produção da série contou com o apoio de vários profissionais — entre psicólogos, psiquiatras e fundadoras de ONGs — para garantir que todas as temáticas fossem trabalhadas de maneira responsável. Isso pode ser visto no documentário Tentando Entender Os 13 Porquês, lançado pela própria Netflix. Mesmo ser não tiver a assinatura do serviço, você pode assistir o documentário na íntegra em inglês no canal oficial da Netflix.
Para complementar esses esforços, depois das críticas, a Netflix criou um site para ajudar as pessoas que assistissem a série e se identificassem com a situação da Hannah. O site traz informações de contato de instituições que fornecem ajuda em vários países.
Apesar de tudo isso, a série apresenta um problema que não pode ser ignorado. Todos os manuais de prevenção ao suicídio alertam para que obras de arte não mostrem detalhes do método utilizado. Quem assistiu a série sabe que os produtores ignoraram essa recomendação, pois a cena do suicídio de Hannah é completamente explícita e muito detalhada. Ela é praticamente um tutorial de como fazer.
Questionado sobre isso, o diretor Kyle Patrick Alvarez disse que a ideia de fazer a cena explícita foi justamente uma tentativa de evitar que houvesse qualquer espaço para romantização. Para ele, ocultar os detalhes da cena abriria espaço para que o espectador fantasiasse sobre a morte da Hannah, imaginando-a como algo dramático e poético, em vez da morte dolorosa e difícil que de fato foi.
Nas palavras de Brian Yorkey, produtor executivo da série: “Nós queríamos que fosse doloroso de assistir. Nós queríamos que ficasse claro que não há nada no suicídio que valha a pena, em nenhum aspecto” (vide o documentário da Netflix).
Apesar da boa intenção, eu acredito que eles escolheram o meio errado para passar sua mensagem. As cenas que mostram o sofrimento e a falta de resolução nas vidas das pessoas que Hannah deixou para trás eram mais do que suficientes para mostrar como o suicídio não é a solução para nada. Em vez de deixar uma mensagem positiva de conscientização, a cena explícita demais só serviu para causar choque, polêmica e até mesmo ataques de ansiedade. 

Afinal, a série pode ser considerada “perigosa”? 

Sendo bastante direta: não.
Apesar de todo o escândalo de youtubers que fizeram questão de lançar vídeos com títulos como “ATENÇÃO: NÃO ASSISTA 13 REASONS WHY”, até agora não houve nem um caso sequer de uma pessoa que tenha comprovadamente cometido suicídio por influência da série. Há notícias na internet de casos em que famílias tentaram culpar a série, mas nada que tenha sido comprovado depois.
Na verdade, no Maranhão, uma garota cometeu suicídio e deixou uma carta pedindo para as pessoas que não culpassem a série: “Ontem vi pessoas dizendo que a série 13 Reasons Why influencia jovens a se suicidarem. Mas eu não acho isso. [...] Então eu digo: Eu não me matei porque uma serie me influenciou, não pensem isso”.
É verdade que a série apresenta “gatilhos”, isto é, cenas que podem despertar certas lembranças ou sentimentos. Mas o problema não está na série em si. Pessoas que são atingidas profundamente por essas cenas já possuem essas memórias e sentimentos negativos. Em outras palavras, elas têm traumas, ou doenças como depressão e ansiedade e precisam de ajuda.
E nesse aspecto, a série é muito benéfica: no Brasil, ela aumentou em mais de 100% a procura por ajuda no CVV (Centro de Valorização da Vida). O site Vix fala em um aumento de 445% na busca de ajuda através do e-mail da instituição. Os números provam que 13 Reasons Why tem, de fato, influenciado os jovens, mas de maneira totalmente construtiva.

Conclusão: toda essa preocupação que a série gerou pode e deve ser encarada como algo positivo. Aliás, quero encerrar este post lembrando a todos que este mês é o Setembro Amarelo, o Mês Internacional da Prevenção ao Suicídio. Para saber mais e se envolver na campanha, visite os sites www.setembroamarelo.org.br e yellowribbon.org.

E se você for uma pessoa que está lendo este artigo e está precisando de ajuda, entre em contato com o CVV através do número 141 ou do site www.cvv.org.br. A sua vida é muito preciosa e sempre vale a pena buscar ajuda. Você não está sozinho(a).


Escrito por: Andressa Andrade

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Eu sou uma escritora apaixonada por palavras e pela arte de contar histórias. Neste momento, trabalhando em um romance distópico para jovens adultos. Qualquer dia desses, ele aparece nas prateleiras da livraria mais próxima de você! E enquanto isso não acontece, vou espalhando meus textos pela internet afora. Que nem aqui. ;)


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