CONTO ― Qual o seu nome?


Era oficial: ela estava perdida.

       O que era um completo absurdo, afinal, aquela deveria ser a terceira ou quarta vez que embarcava no aeroporto e, como sempre, ela se perdia em busca do portão de embarque para seu voo.

      Já perdera as contas de quantas vezes passara por aquele saguão ou talvez fosse apenas a primeira vez, não sabia mais dizer com precisão. Os ombros caíram, a pequena mala vermelha de rodinhas, sua bagagem ‘de mão’, parada ao lado. Sentiu uma imensa vontade de gritar, mas se conteve. Já estava perdida, não queria também parecer louca.

         Ou, talvez já parecesse, afinal, algumas pessoas já a olhavam com receio, deveria ser sua expressão de desespero.

         “Mas que diabos, como eu vou voltar pra casa?”

Ele arrumava a prateleira de pelúcias pela quinta vez. Céus, por que certos pais simplesmente não controlavam seus filhos? A ideia de que o cliente tem sempre razão começava a perder o sentido quando, vindas sabe-se lá de onde, crianças mimadas desarrumavam tudo aquilo que ele passara os últimos quinze minutos organizando. Certa vez, ouviu uma mãe reclamar que a filha já tinha uma pelúcia daquela, mas a menininha insistiu que queria mais uma de outra cor.
Suspirou.

Os ombros caíram e ele ajeitou o cabelo, virando-se para o lado oposto, onde estava o portão de entrada da pequena loja de presentes do aeroporto central da cidade. Trabalhar como atendente naquele lugar era, em sua maioria, lidar com pessoas que esqueciam de comprar um ou dois presentes em suas viagens e recorriam à loja, as pressas, em busca do que quer que fosse, para se livrar de possíveis broncas. Ao menos, ele podia se dar ao luxo de ouvir boas histórias. Uma música pop coreana ecoou no lugar e ele não se espantou com isso, estava acostumado com a playlist de k-pop feita pela atendente do horário anterior. Sendo assim, nem se importou com as palavras que, para ele, não faziam o menor sentido.

        Ao se virar, teve uma cena inusitada a poucos metros dali: uma garota estava parada, no meio do saguão, e tudo indicava que ela choraria nos próximos dois minutos. Ela era relativamente alta e de pele mais escura que a sua, tinha os cabelos cacheados e volumosos amarrados em um alto rabo de cavalo. O casaco tinha uma das mangas descendo pelo braço, chegando ao cotovelo, o que indicava que antes corria. Os olhos, negros e assustados, não tinham um ponto fixo e, ele teve plena certeza, ela estava perdida.

E, ainda assim, muito bonita.

O rapaz olhou ao redor, a loja estava vazia, mas caso alguém precisasse ser atendido, ele não estaria tão longe. Com as mãos nos bolsos e passos tranquilos, ele se dirigiu até ela.

Ela olhava os lados, em busca de qualquer sinal de orientação que pudesse seguir. Sem sucesso, a moça suspirou, alheia ao fato de que estava totalmente desengonçada e de que alguém se aproximava dela. Os olhos se fecharam e a cabeça foi erguida, tentando afastar as lágrimas de frustração que teimavam em sair.

         - Com licença... – Disse alguém atrás de si, fazendo-a se virar com rapidez. O jovem arregalou os olhos levemente, talvez assustado com a mudança súbita de posição por parte dela. – Notei que você parece...
         - Perdida. – Ela quase gritou. – Eu estou totalmente perdida. – Os ombros caíram novamente e o atendente escondeu um sorriso, passando a ponta da língua pelos lábios. – Onde diabos fica o portão dezessete?
   
             Dessa vez, ele não conseguiu camuflar o riso.
         Foi então que ela finalmente o olhou. Ele era pouco mais alto que ela, tinha os cabelos pretos e um pouco grandes. A pele clara, ressaltava os olhos claros e meio fundos. O maxilar era quadriculado e o rosto liso, sem barba. Os lábios medianos, estavam curvados em um largo sorriso, após gargalhar com a fala dita por ela.

Dada sua atual situação, ela não se importou em ser o motivo do riso.

         - Acho que você deu algumas voltas, o portão dezessete é logo depois daquela escada ali. – Ele apontou para o par de escadas rolantes, a esquerda deles. – É realmente confuso, de um a dezesseis estão aqui embaixo, a partir do dezessete que começa lá em cima.
         Ao receber todas as instruções, ela... riu.
         Em alto e bom som, a gargalhada ecoou pelo saguão e fez algumas pessoas olharem para os dois, o rapaz arqueou uma sobrancelha, confuso.

         A moça suspirou e, ainda com as mãos na cintura, olhou ao redor e negou com a cabeça, desacreditada de que todas as voltas que dera foram... inúteis.

         - Eu sou uma anta, sem dúvidas. – Disse ao cessarem os risos, voltando-se para ele. Um longo suspiro lhes escapou dos lábios, dessa vez, de alívio. – Nossa! Sem a sua ajuda, provavelmente eu iria acampar bem aqui. – Ela então ajeitou o casaco e passou a mãos cabelos. – Muito obrigada, é, hãn... – Então o encarou, em clara pergunta sobre o nome dele, não tinham se apresentado ainda.

         O rapaz baixou os olhos e umedeceu os lábios de novo. Sabia que o nome era uma premissa social ao conhecer pessoas, mas era sempre um incomodo quando aquele tipo de pergunta lhes era direcionada.

         - Hãn, eu... me chamo Pégasos. – Disse rápido, mas sabia que ela tinha entendido.

         A moça parou.
         Ela tinha ouvido direito ou o nome dele era realmente aquele? Os olhos se arregalaram e ela procurou na camisa trajada um crachá que, ao ser encontrado, comprovou o que fora dito.

         Só podia ser brincadeira.
         - Pégasos? – Ele concordou com a cabeça. – Tipo o cavalo-alado da mitologia grega? – Ele assentiu de novo, suspirando. – O mascote de Hércules no filme da Disney?

         E, coitado, assentiu mais uma vez, deixando os ombros caírem.
         Três segundos e ela começou a rir. Mais alto do que antes.

         - Ai! Me desculpa! Você acabou de salvar o meu dia e eu estou aqui, rindo do seu nome... – Apesar do pedido, ela não conseguia parar de rir.

         Diante do desespero que vira nos olhos dela poucos minutos antes, as gargalhadas não o incomodaram, mesmo sabendo que era ele o motivo de tanta graça.

         - Ah, tudo bem! Você parece ter tido um dia horrível, talvez essa seja a primeira vez que você ri... – Deu de ombros e voltou a ter as mãos nos bolsos, sorrindo sem mostrar os dentes.
         E ela julgou a atitude... interessante.
         - Agradeço a sua compaixão, Pégasos. – Ela deu uma ênfase forte demais no nome dele e gargalhou de novo, fazendo-o encará-la com uma sobrancelha arqueada. Ao notar o olhar de reprovação, ela sorriu, culpada. O jovem umedeceu os lábios com a ponta da língua ao vê-la exibir um sorriso tão... dela.

         Mesmo que aquela fosse a primeira vez que a visse.

         A voz de uma mulher ecoou pelo aeroporto, indicando que era a última chance da moça conseguir embarcar em seu voo.
         - Ai meu Deus, é o meu. – Afoita, ela se virou, fazendo o cabelo roçar sem muito cuidado no rosto do outro. – Olha, muito obrigada pela ajuda, sério! Você foi um anjo... – Ao dizer isto, lembrou-se da referência do nome dele a um cavalo com asas e então, riu. – Desculpa, isso não foi de propósito.

         Assim, ela correu em direção as escadas rolantes indicadas por ele poucos minutos antes. Ele riu, acenando para ela e só então se lembrou de que...
         Não fazia a mínima ideia de como ela se chamava.
         Em súbito, ele correu na direção dela e ficou na ponta das escadas.

         - Ei! – Gritou ele e todos que subiam ou desciam o olharam, inclusive ela. – Qual o seu nome?
         A moça riu e negou com a cabeça. Ao pronunciar, porém, teve sua fala cortada pela voz, agora de um homem, indicando a chamada para outro voo.

         Droga.

         - O quê? Não consegui ouvir. – Disse ele, agora mais alto, incomodando os demais que transitavam pela escada.

         Ao repetir seu nome, porém, ela foi abafada pelo barulho característico de aeroporto, e o pobre Pégasos deixou os ombros caírem, derrotado.

         Ela era linda, meio maluca, tinha se divertido e tanto as custas de seu nome, e ele não fazia a menor ideia de como encontrá-la. Muito menos sabia se teria a oportunidade.

Cerca de um ano depois

         Pégasos estava de costas para o balcão, organizando as pelúcias de acordo com desenhos, animes e franquias (afinal, ele era um daqueles que assistia muitas franquias) e estava absorto demais em sua organização metódica que só percebeu a presença de outra pessoa quando dedos tamborilaram na madeira do balcão.

         - Só um minuto... – Disse, em tom calmo, terminando de arrumar os últimos brinquedos.
         - Será que eu posso conseguir uma pelúcia de cavalo-alado por aqui? – A voz era familiar e, ao mesmo tempo, nostálgica. O tipo de timbre de alguém que só o vira uma vez na vida. Ele se virou em súbito e deu de cara com ela, que sorria. – Mas precisa ser branco, com olhos claros e precisa ter o cabelo meio escuro...

         Céus, ela estava linda. Os cabelos estavam maiores, os cachos escuros caíam pelos ombros e escondiam metade de seu busto. O sorriso largo pintava os lábios da moça que, agora, trazia uma mochila nas costas e uma mala relativamente grande ao seu lado.

         Se não fosse a coisa mais estranha que poderia chegar a pensar, ele a teria beijado. Ali mesmo. Em frente as câmeras de segurança.

         Pégasos riu, os dentes brancos totalmente amostra diante da estranha felicidade que o envolvera no momento. A moça riu junto, pendendo a cabeça para o lado. Ele umedeceu os lábios com a língua e olhou os lados, pousando as mãos no balcão.

         - Ok, senhorita, posso providenciar isso... – O corpo se moveu para frente, como se fosse falar algum segredo. As mãos bateram levemente no balcão, ação que resultou em certo barulho. – Mas, pelo amor de Deus, me diz o seu nome antes...

         Como era de se esperar, ela gargalhou.

         - Alice. – Os lábios tentavam esconder um sorriso. – O meu nome é Alice.

         Ele arregalou os olhos de forma bem fingida e ela demorou alguns segundos para deduzir do que se tratava.       
- Ah, não...
         - Alice? – Ela concordou com a cabeça. – Tipo a garota loira louca que seguiu um coelho? – Ela arqueou uma sobrancelha, mas assentiu. – A mesma garota louca que come um negócio e encolhe, bebe outro e cresce e conversa com um gato macabro que fuma um narguilé?

         A expressão que Alice exibia era de pura derrota. Já Pégasos, de pura satisfação.

          - Está feliz agora? – Ela cruzou os braços, após rolar os olhos.
         - Você não faz ideia. – E ele não se referia as brincadeiras com seu nome.

2 Comentários

  1. Mulher, você não sabe o quanto eu amo as suas histórias! ♥
    Quando comecei a ler, pensei que ia ser um romancezinho clichê de aeroporto, mas o detalhe dos nomes deu um toque todo especial. Eu AMEI! Também amo o jeito como você descreve as coisas apenas o suficiente para a gente conseguir imaginar tudo. Você é uma ótima escritora!
    Eu queria saber escrever histórias curtas e completas assim. Um dia, quem sabe, eu chego lá.

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    1. Ai que maravilhosa! ♥ Esse comentário fez o meu dia melhorar 150%!!!!
      Fico feliz demais de ter gostado, moça, e se eu te contar que foi um sonho? A única parte que alterei, foi o nome da principal (que, inclusive, bati cabeça para poder ficar legal). Muito obrigada por ter lido, por ter comentado e por ter gostado! HAUHAUH

      CHEGA SIM, OXE! Enquanto você quer escrever as curtas, eu quero aprender a escrever longas com você HAUHAUH vamos trocar? :P

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