Resenha #66 — 'Continuo Preta: A vida de Sueli Carneiro' ; Bianca Santana

 Conhecer o trabalho de Sueli Carneiro deveria, digamos, ser pré-requisito na nossa educação básica, tamanha a contribuição da ativista para os direitos da mulher negra e na luta antirracista no Brasil. Este ano, a Companhia das Letras lançou ‘Continuo Preta: A vida de Sueli Carneiro’, uma obra escrita pela jornalista e escritora, Bianca Santana. Vamos de resenha?


Continuo Preta A vida de Sueli Carneiro Bianca Santana
Título: Continuo Preta: A vida de Sueli Carneiro
Autora: Bianca Santana
Páginas: 296 páginas
Editora: Companhia das Letras

Sinopse: Uma das maiores intelectuais públicas do Brasil, referência histórica do movimento negro, biografada por uma das mais promissoras vozes da nova geração. Sueli Carneiro é uma das principais intelectuais públicas brasileiras. Em mais de quarenta anos de ativismo, ela vem combinando escrita, academia e intelectualidade para qualificar uma luta política que enegreceu o feminismo no Brasil e, ao mesmo tempo, colocou as mulheres como protagonistas do movimento negro. Entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta. Mais do que célebre, a tirada proferida por Sueli Carneiro sintetiza um lugar político fundamental para o movimento negro brasileiro. E sua vida oferece o desenho exemplar dessa posição. Para dar conta de uma longa trajetória política, que se confunde com a própria história do Brasil pós-redemocratização, a jornalista Bianca Santana realizou dezenas de horas de entrevistas e empreendeu uma escavação documental cuidadosa nesta biografia que é, a um só tempo, tributo à caminhada de Sueli Carneiro, repositório de informação sobre a luta das mulheres negras no Brasil e, por tudo isso, preciosa fonte de inspiração para as futuras gerações.

Continuo Preta A vida de Sueli Carneiro Bianca Santana

Já no prólogo deste livro, temos conhecimento do fatídico 29 de maio de 1982, no auditório do Colégio Nossa Senhora de Sion, em São Paulo, feministas de diferentes grupos e posicionamentos políticos se reuniram. Sueli Carneiro estava no público daquele auditório e viu Abdias Nascimento, um dos nossos grandes nomes do ativismo negro, representar a mulher negra que ali, num evento voltado aos direitos das mulheres, não tinha suas pautas vistas ou ouvidas. Abdias diz: 

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E Sueli Carneiro, ao final do evento, beija a mão de Abdias Nascimento, agradecendo as palavras que diziam aquilo que ela ainda não conseguia elaborar. E, naquele momento, Sueli responde:


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Este livro foi um presente para mim, mulher negra ainda em formação no que diz respeito a luta antirracista neste país e o feminismo negro. Em formação, sim, pois não importa o quanto estude, ainda falta algo; a minha vivência é a minha e não resume a vivência de todas as mulheres negras brasileiras. Conhecer a vida e a luta que Sueli Carneiro encabeçou neste país e o quanto a sua contribuição fez com que eu, nascida em 1995, pudesse ter o acesso e o privilégio que mulheres como Sueli e Bianca lutaram e lutam.


Além disso, se você conhece o blog, sabe que este espaço é cheio de livros feitos por mulheres negras não-brasileiras; Chimamanda Ngozi Adichie, Toni Morrison e Maya Angelou já apareceram por aqui e no Instagram, mas, até o momento, Djamila Ribeiro tinha sido a única brasileira aparecer por aqui. Isso mesmo, a vergonha é toda minha! Assim, fica aqui o meu agradecimento a Companhia das Letras pela escolha mais do que acertada para o envio dessa obra!


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Por se tratar de uma biografia, confesso que achei que a leitura seria arrastada. Não poderia estar mais enganada; a narrativa criada por Bianca é fluída e, quando você percebe, cinquenta páginas foram lidas e ainda tem desejo de mais. Para mim, ainda com 26 anos e ingênua o suficiente para achar que o movimento negro no Brasil estava anos luz atrás do movimento negro americano, por exemplo, recebi diversos tapas na cara ao ler sobre a fundação do Geledés - Instituto da Mulher Negra, em 1988, o Programa de Direitos Humanos, o SOS Racismo, a constitucionalidade das cotas raciais - que ainda tira o sono de muitos brancos que acreditam ser um retrocesso, e diversas outras ações durante as quatro décadas de ativismo que Sueli Carneiro prestou e, repito, garantiu direitos as mulheres negras que vieram depois dela. 


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Para encerrar esta resenha, queria trazer a polêmica frase dita por Sueli Carneiro: “ entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta”. Ela não poderia estar mais certa, e com a mesma responsabilidade Bianca Santana, eis a sequência dessa fala:


Porque a direita tem um claro projeto de exclusão para nós e a esquerda [não] tem um projeto de inclusão partidária para nós. Não somos apenas estômagos vazios à espera das cestas básicas da solidariedade. Queremos participar dos processos decisórios.


E trazendo uma problemática mais recente, com o caso do casal branco que acusou um jovem negro de ter roubado a própria bicicleta, é ingênuo da nossa parte acreditar que pessoas assim são, obrigatoriamente, de extrema direita. Na tabela da militância, como costume dizer, a luta antirracista sempre fica por último. Racistas existem em todos os lugares e com as mais variadas ideologias políticas; enquanto um “lado” tem um claro projeto de exclusão e negligência, outros adotam a postura de branco salvador. No fim das contas, assim como Sueli afirma, completo: somos nós por nós. Sempre.


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No epílogo, Bianca diz “Por vezes, durante a elaboração deste livro, me perguntei por que fui tão audaciosa, e ao mesmo tempo ingênua, para assumir que poderia escrever uma biografia de Sueli Carneiro”. Gostaria de dizer aqui, Bianca, que você foi audaciosa! Este livro é uma celebração a vida de Sueli Carneiro e que alegria que foi você quem o escreveu! Na live de lançamento, enquanto entrevistava a própria Sueli, era visível em seus olhos o orgulho por ter feito parte disso. E esse orgulho também é nosso!


E aí, já leu este livro? O que achou?
Conta pra mim! :)


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