Conhecer o trabalho de Sueli Carneiro deveria, digamos, ser pré-requisito na nossa educação básica, tamanha a contribuição da ativista para os direitos da mulher negra e na luta antirracista no Brasil. Este ano, a Companhia das Letras lançou ‘Continuo Preta: A vida de Sueli Carneiro’, uma obra escrita pela jornalista e escritora, Bianca Santana. Vamos de resenha?
E Sueli Carneiro, ao final do evento, beija a mão de Abdias Nascimento, agradecendo as palavras que diziam aquilo que ela ainda não conseguia elaborar. E, naquele momento, Sueli responde:
Este livro foi um presente para mim, mulher negra ainda em formação no que diz respeito a luta antirracista neste país e o feminismo negro. Em formação, sim, pois não importa o quanto estude, ainda falta algo; a minha vivência é a minha e não resume a vivência de todas as mulheres negras brasileiras. Conhecer a vida e a luta que Sueli Carneiro encabeçou neste país e o quanto a sua contribuição fez com que eu, nascida em 1995, pudesse ter o acesso e o privilégio que mulheres como Sueli e Bianca lutaram e lutam.
Além disso, se você conhece o blog, sabe que este espaço é cheio de livros feitos por mulheres negras não-brasileiras; Chimamanda Ngozi Adichie, Toni Morrison e Maya Angelou já apareceram por aqui e no Instagram, mas, até o momento, Djamila Ribeiro tinha sido a única brasileira aparecer por aqui. Isso mesmo, a vergonha é toda minha! Assim, fica aqui o meu agradecimento a Companhia das Letras pela escolha mais do que acertada para o envio dessa obra!
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Por se tratar de uma biografia, confesso que achei que a leitura seria arrastada. Não poderia estar mais enganada; a narrativa criada por Bianca é fluída e, quando você percebe, cinquenta páginas foram lidas e ainda tem desejo de mais. Para mim, ainda com 26 anos e ingênua o suficiente para achar que o movimento negro no Brasil estava anos luz atrás do movimento negro americano, por exemplo, recebi diversos tapas na cara ao ler sobre a fundação do Geledés - Instituto da Mulher Negra, em 1988, o Programa de Direitos Humanos, o SOS Racismo, a constitucionalidade das cotas raciais - que ainda tira o sono de muitos brancos que acreditam ser um retrocesso, e diversas outras ações durante as quatro décadas de ativismo que Sueli Carneiro prestou e, repito, garantiu direitos as mulheres negras que vieram depois dela.
Para encerrar esta resenha, queria trazer a polêmica frase dita por Sueli Carneiro: “ entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta”. Ela não poderia estar mais certa, e com a mesma responsabilidade Bianca Santana, eis a sequência dessa fala:
Porque a direita tem um claro projeto de exclusão para nós e a esquerda [não] tem um projeto de inclusão partidária para nós. Não somos apenas estômagos vazios à espera das cestas básicas da solidariedade. Queremos participar dos processos decisórios.
E trazendo uma problemática mais recente, com o caso do casal branco que acusou um jovem negro de ter roubado a própria bicicleta, é ingênuo da nossa parte acreditar que pessoas assim são, obrigatoriamente, de extrema direita. Na tabela da militância, como costume dizer, a luta antirracista sempre fica por último. Racistas existem em todos os lugares e com as mais variadas ideologias políticas; enquanto um “lado” tem um claro projeto de exclusão e negligência, outros adotam a postura de branco salvador. No fim das contas, assim como Sueli afirma, completo: somos nós por nós. Sempre.
No epílogo, Bianca diz “Por vezes, durante a elaboração deste livro, me perguntei por que fui tão audaciosa, e ao mesmo tempo ingênua, para assumir que poderia escrever uma biografia de Sueli Carneiro”. Gostaria de dizer aqui, Bianca, que você foi audaciosa! Este livro é uma celebração a vida de Sueli Carneiro e que alegria que foi você quem o escreveu! Na live de lançamento, enquanto entrevistava a própria Sueli, era visível em seus olhos o orgulho por ter feito parte disso. E esse orgulho também é nosso!
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