Capa por Eloanne Cerqueira |
Era manhã de domingo, Hyerin adorava o
primeiro dia da semana pelo simples fato de ser sua folga. Sempre acordava
pouco antes do almoço, comia qualquer coisa e, ou passava a tarde inteira ao
lado de Minkyung e Yiyoung, ou ia até a praça mais próxima fotografar o tão
simples e espetacular cotidiano.
Mas naquele domingo em questão ela
estava inquieta. Acordara antes das nove sem o uso de despertador. Arrumou a
cozinha, organizou seus livros, limpou o armário e o tempo parecia não passar.
E por mais que fingisse ou fugisse, ela sabia muito bem qual era o motivo de
tanta inquietação. Mesmo depois de doze anos aquilo ainda a incomodava de uma
maneira que não conseguia explicar. Ainda se lembrava do último “boa noite” que
ouvira. Se soubesse que seria a última vez dele ao seu lado, teria sido mais
agradável, teria dito tantas outras coisas do que apenas “boa noite” e um beijo
em seu rosto. Suspirou e largou o paninho que usava para limpar a mesa de
centro que àquela altura já brilhava do tanto que a garota havia esfregado. Sem
muito ânimo foi até o sofá, largando-se sobre ele e levando as mãos que
cheiravam a lavanda até o rosto, escondendo-o e impedindo o caminho que mais um
suspiro percorria.
Em uma das festas que ia com as amigas,
conheceu Yujin uma advogada bastante divertida e um tanto louca, mas muito
competente. Conversaram bastante mesmo fora das reuniões e ao tornarem-se
próximas, Hyerin contou-lhe um pouco de sua história. Yujin pareceu interessada
no assunto e respeitando o espaço e privacidade da mais nova, pediu apenas um
nome. Apesar de não acreditar muito, a fotógrafa lhe passou a informação,
ouvindo um “logo mais entrarei em contato” como resposta. E ela entrou mesmo em
contato. Pouco menos de duas semanas foram o suficiente para que a advogada
encontrasse informações cruciais sobre o assunto, mas Hyerin não queria
detalhes. Pediu apenas um endereço e telefone que lhes foram dados mais do que
depressa.
O papel agora se encontrava sobre a
estante e a garota tentava ignorá-lo, mas este parecia chamar a coreana que
insistia em manter-se ocupada para adiar aquele “encontro”. Mais um suspiro e
então se levantou, pegando finalmente o pedaço de papel e olhando tais
informações que já sabia de cor do tanto que as encarou desde que as teve em
mãos. Voltou ao sofá ainda com os olhos fixos nos bilhete, tentando reorganizar
seus pensamentos.
Buscou o celular que por sorte estava
bem ali no mesmo estofado e agora olhava do papel ao aparelho freneticamente.
Deveria mesmo ligar pra ele depois de tanto tempo? Todas as circunstâncias
diziam que não, mas seu coração dizia o contrário. Respirou fundo e antes que
pudesse pensar muito e acabar desistindo, discou os sete números levando o
celular ao ouvido, aguardando ansiosamente pelos toques de chamada que pareciam
não iniciar nunca. O que deveria falar? Diria que estava perdoado assim que ele
atendesse? Agiria normalmente? Contaria sobre sua vida ou pediria explicações?
Estava beirando a taquicardia e se perguntava se não era melhor desligar e
fingir que nada aconteceu. O penúltimo toque fora interrompido e os três
segundos de silêncio fizeram o coração da moça falhar uma batida.
- Alô? – Perguntou a voz que ela tanto
adorava, agora um tanto rouca por conta da idade.
- Oi, pai. – Disse ela em tom baixo,
finalmente sentindo seu coração voltar a bater.
Os olhos do mais velho
se arregalaram e quase saíram de suas órbitas ao ouvir tal voz. Estava mais
firme, porém continuava doce como se lembrava. Toda a culpa e vergonha que
sentiu naqueles doze anos apenas aumentaram ao ouvir a voz de sua filha mais
velha, entretanto ao mesmo tempo, aquele timbre fez com que uma pontinha de
esperança crescesse no velho coração de sr. Oh.
- Oi, cheeks! – O sorriso que adornava
o rosto da garota era tão grande que ela mesma nunca imaginou que seus lábios
suportariam um desses. “Cheeks” era seu apelido de infância, dado pelo próprio.
Era uma palavra em inglês que significa “bochechas”, e Hyerin possuía fartas em
seu rosto. Apesar do turbilhão de perguntas e coisas que queriam sair dos lábios
dela, limitou-se apenas em dizer:
- Como o senhor está? – Que na verdade,
significava “Não precisa se preocupar com explicações agora, pai.”
- Eu estou surpreso! Mas e você, está
tudo bem? – Foi a resposta dele entre um sorriso bobo, que significava
“Obrigado por ligar mesmo depois de tudo que eu fiz”.
A conversa seguiu simples, com frases
simples que significavam outras mais complexas, mas que não havia necessidade
de serem ditas no momento. Marcariam um jantar no próximo fim de semana e todas
as perguntas seriam feitas, as explicações seriam dadas, lágrimas derramadas e
perdão seria doado. Mas tudo seria depois, bem depois. Não é apropriado citar
na ocasião, afinal, ainda estamos naquele reencontro sonoro a longa distância,
que inclusive acabara de passar por divertido e delicado momento em que ambos
disseram “Estou com saudades” em uníssono, rindo da forma mais boba possível em
seguida pela coincidência.
No final das contas, eles se sentiam da
mesma maneira. Culpavam-se da mesma maneira, eram vítimas da mesma maneira. Sr.
Oh lembrava-se da semelhança e ainda e orgulhava por Hyerin ser sua cópia exata
em um corpo feminino. Sinceramente, agradecia aos céus pelo coração bom que ela
tinha. Apesar de não tocarem no assunto, ele sabia que sua filha o tinha
perdoado e não havia pai no mundo mais feliz do que ele, mesmo só ouvindo sua
voz, mesmo que não soubesse como era seu rosto agora como uma mulher, mas ele a
amava.
E o mais importante de tudo,
Ela ainda o amava.
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