A rinite havia lhe consumido o dia inteiro. Como se já não bastasse toda
a irritação com os problemas que já tinha em casa, somados aos da faculdade e
mais essa: o nariz escorrendo, dor de cabeça, os olhos ardendo e espirros
constantes. Se tinha uma coisa que ela detestava com todas as forças era sua
alergia, que tinha o dom de acabar com quaisquer que fossem os planos,
deixando-a com raciocínio lento e corpo mole, além de atrair olhares de nojo
das pessoas ao seu redor que imaginavam ser algo contagioso. Mas naquele dia,
sua irritação era por uma outra coisa. Uma situação muito mais preocupante que
um nariz escorrendo. Naquele dia ela esgotou todos os seus argumentos... para
nada. Há muito que já sabia que aquilo aconteceria, mas sequer imaginou que
seria tão rápido. Traçou planos para fazer convencer do contrário, mas, ao que
parecia, não havia mais tempo. Naquele dia ela pediu, implorou, chorou e se
humilhou, mas foi em vão.
Alguém iria embora. E ela sabia que não era por alguns poucos meses, como
lhe fora dito.
Alguém iria embora e ela não podia fazer nada pra impedir.
Os olhos vermelhos demonstraram um misto de sentimentos que envolviam a
menina, mas nenhuma lágrima saíra deles ou ameaçou cair. Ela se recusava a
chorar. Já havia chorado tudo que precisava antes e agora, tudo o que ela menos
precisava era se mostrar fraca. Se mostrar ainda mais fraca e vulnerável àquela
situação que de longe era a pior de sua vida. Nunca imaginou que passaria por
aquilo, muito menos pensou que poderia doer tanto. Muitos dizem que situações
na infância marcam e são completamente difíceis de se esquecer. Naquele momento
ela pensou se aquilo tivesse ocorrido quando ela era criança, se não teria sido
mais fácil. Nem mesmo saberia do que se tratava, talvez a situação toda lhes
passasse despercebida. Talvez fosse melhor do que agora, com 18 anos e de mãos
atadas. Completamente inútil.
Deitou-se e fitou o teto, fungando. Apertou os olhos e colocou os fones,
deixando que a música alta lhe adentrasse os ouvidos e a fizesse esquecer por
alguns segundos o que acontecia. A dor no peito, que lhe incomodava desde o
final da tarde, pareceu mais forte. Ela ignorou. Fungou de novo, tentando
respirar fundo e não obteve sucesso. Tentou de novo e falhou. Os olhos se
abriram e, arregalados, fitaram o teto, incrédulos que depois de tantos anos, a
vida lhe trouxera mais uma visita indesejada.
A asma.
A mão tocou o peito e o chiado característico da doença saiu de seus
lábios, fino e baixo. Tinha tanto tempo desde a última crise que nem mesmo
sabia como agir. Sentou-se, juntou os travesseiros e se deitou novamente,
deixando parte do tronco erguida e facilitando a respiração. E não adiantou.
Foi então que puxou o ar pelo nariz e mais uma surpresa desagradável apareceu:
a rinite o congestionou a ponto de nenhum ar passar pelas vias nasais.
Só podia ser brincadeira.
Os segundos que se seguiram pareceram longos demais a medida que se
tornava cada vez mais difícil manter-se com a falta de ar. Sufocada, o quarto
parecia menor e era como se todos os seus pertences estivessem em cima dela e a
impedissem de receber o tão precioso ar. As mãos foram quase em automático ao
tecido da blusa usada, puxando para baixo com força, como se a peça de roupa
fosse a principal causadora daquele problema.
A
visão ficou escura e ela pensou seriamente que desmaiaria. As mãos saíram do
peito e começaram a tatear o colchão, a procura de qualquer coisa que pudesse
ajudá-la, até que encontrou: escondido entre o lençol e o colchão estava o
desentupidor nasal líquido. Cega, a garota pegou o potinho e o destampou
com rapidez, guiando-o as narinas e o apertando com força, fazendo cair mais do
que o necessário nas vias nasais. Não se preocupou em tampá-lo de volta,
concentrando-se ao máximo para se manter acordada. Os olhos fixos no
teto, a mão livre apertou o lençol da cama, enquanto a outra ainda tinha o
recipiente nas mãos, segurando-o como se sua vida dependesse dele – e dependia.
Após intermináveis dez segundos, ela fungou na esperança do remédio ter
tido efeito.
E teve.
O ar adentrou seus pulmões pelas vias nasais e ela nunca sentira tanto
alívio na vida como naquele momento. A mão soltou o lençol, os olhos se fecharam, a cabeça pendeu para o lado e ela se permitiu respirar mais tranquila,
mesmo que ainda lhe fosse difícil diante da crise asmática. A visão, mesmo que
ainda escura, fitava a parede e os lábios moviam-se rapidamente em
agradecimentos baixos aos céus.
Era a primeira vez que uma decisão de alguém refletia diretamente nela.
Primeiro, a sua saúde. Depois, a sua paciência. Logo em seguida viriam a falta
de crença nos outros, a frieza, o medo de confiar mais uma vez. Afazeres que
ela não queria, uma casa inteira sob suas costas, comentários alheios que ela
não precisava, um preconceito estúpido que seria jogado sobre si por algo que
ela não havia feito.
Eram erros dos outros que, após a primeira vez, não parariam de refletir
nela. Teria que a aprender a conviver com aquilo se quisesse viver em paz.
Paz. Era até engraçado usar tal palavra
para a situação.
A pior dor do mundo é
obrigar a cabeça a esquecer aquilo
que o coração lembra a todo instante;
2 Comentários
Fiquei apreensivo, juro! Meus pés e minhas mãos transpiraram. E que barra... mas é assim,Thi-chan, a gente não pode conduzir a vontade das pessoas. E pode crer, isso serviu pra sua evolução.
ResponderExcluirAcredita que quando eu estava revisando, fiquei apreensiva também? HAUAHA Tô aqui orgulhosa por ter conseguido passar esse desespero também!
ExcluirMas é, mesmo que a gente ame uma pessoa mais do que ela mesma imagina, nunca será influente o suficiente para influenciar nas suas decisões. Isso doendo ou não.
Sim, ajudou bastante, sabe! E essa é uma das partes boas disso tudo!