Este perfil foi escrito originalmente em 26 de novembro de 2014, como avaliação da disciplina Linguagens e Mídias.
“O próprio nordestino se auto discrimina, ele se adequou às novas
tecnologias e esqueceu um pouco a história; valoriza muito o que é do sul e
esquece sua origem.” Com um chapéu verde na cabeça, roupas confortáveis, uma
camisa branca simples e uma bermuda jeans desgastada, Pedro Meneses segurava
chaves nas mãos e brincava com estas, os olhos fixos nas crianças brincando no
parquinho à sua frente. Vez ou outra admirava o local ao seu redor e depois
olhava pra mim. O vento fazia os curtos cabelos negros dentro do chapéu
balançarem levemente, e então ele fechava os olhos, por breves segundos,
aproveitando a brisa.
Seu espaço, chamado de “Recanto da Serra”, fica na divisa entre Tobias
Barreto e Poço Verde, cidades do interior de Sergipe, em meio ao baixo sertão nordestino.
Logo após uma longa estrada de terra, é possível ver a cancela nas
cores amarela e verde, seguida de um pequeno trecho com várias árvores durante
o percurso, pneus coloridos abaixo destas, alegrando a entrada do lugar. Em seu
interior, há um Museu e alguns chalés; a budega dos tropeiros, um
espaço para almoço e piscina; Também é possível fazer trilha pela Serra logo ao
lado do recinto.
Quando aluno na graduação em História, despertou-se nele a curiosidade
de conhecer seus antepassados, ao que descobriu serem tropeiros: os
responsáveis por transportar e entregar objetos pertencentes aos cangaceiros e
a Lampião, bem como mercadorias e até notícias entre lugarejos. Iniciou então a
busca por mais valorização de tal cultura e ainda por mais informações de suas
heranças. A sede do museu é uma casa de Taipa da década de 1930, a qual
pertenceu ao seu pai, Antônio “Tonho” Rocha, e desde 2008 é aberta para
visitas. Contém objetos que pertenceram aos tropeiros e ao cangaço, como armas,
coleção de pedras que pertenceu ao avô, diferentes tipos de dinheiro, a cópia
do registro de Lampião e suas curiosas colheres de prata que, ao serem
colocadas na comida e esta estiver envenenada, aderem a cor preta. Setenta por
cento deste acervo é pessoal, complementado com doações de moradores locais,
contando ainda com familiares próximos.
Entre as atividades feitas no Recanto, há a Trilha dos Tropeiros, onde
os visitantes vão sertão adentro, refazendo o caminho que um dia fora feito por
esses viajantes, buscando a realização de seu trabalho como entregadores do
cangaço. O espaço é totalmente aberto para visitação por meio de agendamento e
conta com uma pequena taxa que inclui usufruir das atividades e almoçar no
local, assim como é aberto para eventos: retiros religiosos, formaturas, sendo
acordados os valores apenas para manutenção. Todo o lucro é destinado à
conservação do local, porém este ainda não é autossustentável, dados os gastos
adicionais com funcionários. “Se você gosta, você tem que tocar”, explica
Pedro, sobre as dificuldades encontradas para a preservação do Recanto.
Pedro Meneses tem trinta e cinco anos e é formado em Jornalismo,
História e Pedagogia. Pós-graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional,
atualmente é estudante do curso de Direito. Para aqueles que priorizam a boa
aparência, o uso de terno e gravata, desacreditariam ou custariam acreditar nas
afirmações acima assim que o vissem. Pedro dispensa a soberba e o ego inflado
por conta dos inúmeros feitos, vive de simplicidade e humildade. O seu conhecido
chapéu de couro, marca dos cangaceiros, está quase sempre colocado na cabeça,
em um claro sinal de orgulho por suas raízes, de ter vindo de onde veio.
Quando perguntado sobre a escassez de informação acerca da história do
cangaço e do nordeste, diz a frase que inicia este texto, pois também atribui
ao próprio nordestino o desinteresse em conhecer os primórdios de sua cultura.
Cita suas preferências musicais e lamenta o descaso de muitos conterrâneos com
o clássico forró pé-de-serra, o ritmo destas terras. Lastima também o pouco
conhecimento acerca dos cangaceiros no nordeste em si, mesmo que eles tenham
estado presentes em sete dos nove estados da região. Ainda falando dos
bandoleiros, comenta o livro que está escrevendo e é intitulado “Lampião, o
Governador do Sertão”, em que conta a proposta de Virgulino para dividir o
estado de Pernambuco em dois. Diz ainda que Lampião, assim como seu pai, Zé
Ferreira, também fora tropeiro antes de se tornar o mais lendário cangaceiro na
história do Brasil.
Sobre a valorização da literatura estrangeira, lamenta novamente com um
menear de cabeça e cita o grande Tobias Barreto de Meneses, escritor que nomeia
o município onde vive, mencionando que se fôssemos procurar cidade adentro,
acharíamos pelo menos uns quinhentos escritores ainda não revelados, seja por
falta de incentivo até mesmo do poder público, das próprias instituições, e
também de nós, como cidadãos, que poderíamos valorizar mais o que temos aqui
mesmo nas ruas da nossa cidade. Ele ri quando digo que também sou escritora e
mais uma vez, com um menear de cabeça, ele me apoia, com os olhos brilhantes
fixos em mim.
Pedro possui um projeto de livros de cordel, um programa de cultura, que
já conseguiu lançar mais de vinte títulos de poetas do interior, aqueles que
dão vida aos versos em suas roças, sítios e fazendas do Estado. Muitos desses
são deficientes visuais, nesses casos, a poesia é gravada em áudio para depois
ser transcrita. Outro projeto, chamado Tropeiro da Leitura, o leva até as
escolas montado em um cavalo e caracterizado como tropeiro, fazendo a leitura
para os alunos. Com um sorriso no rosto, fala que Renata Alves do programa
“Achamos no Brasil”, da Rede Record, esteve visitando o Recanto e logo menos
poderíamos ver o espaço sendo exibido em rede nacional. E foi: Um dia depois a
minha visita, no fim de tarde do Domingo, Pedro Meneses e todo seu acervo do
cangaço estavam na TV Brasileira.
Ao final da entrevista, quando agradeço por me receber e me apresentar o
seu espaço, Pedro agradece a mim pela oportunidade de mostrar um pouco mais
dessa cultura, deixando um convite para visitas o Recanto da Serra. Quando
pergunto se posso tirar algumas fotos, ele me manda ficar a vontade, mas avisa
que lá não se tira uma foto, mas sim um “retrato”; e não se faz a volta, mas se arrodeia.
Brinca com os coloquiais da nossa região, que tanto nos marcam e fazem parte
não só do nosso dia-a-dia, mas da nossa história, de onde nós viemos.
Em meio ao frenesi
tecnológico desta geração, que prioriza a praticidade servida pelos recursos
mecânicos, onde o “ter e exibir” é mais importante que o “ser”, nos surpreende
encontrar pessoas como Pedro Meneses, escondidas nos cantos do nosso grande
Brasil. Pessoas simples, de humildade sem tamanho, que antes de qualquer outra
coisa priorizam o “estar feliz”, não importa de que maneira. Pessoas
encontrando, nas mais singelas situações, motivos que fazem toda a sua luta
valer a pena. Seja um elogio, o sorriso de uma criança ao brincar à sua frente
no parque, ou poder compartilhar com a aspirante a jornalista suas experiências
de repórter-historiador-professor-quase advogado que já viu muito da vida, e
tem tanto conteúdo a oferecer.
Não retirar sem os devidos créditos.
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