O impacto do racismo nas relações pessoais de pessoas negras é abordado em 'O Avesso da Pele', de Jefferson Tenório

 Chocando um total de 0 pessoas, depois de três meses e meio eu FINALMENTE saí da ressaca literária e consegui ler um livro de ficção do início ao fim. Dito isto: feliz ano novo! hahahah Piadocas a parte, desde janeiro que eu não consegui engatar um livro de ficção, focando minhas leituras em estudos espíritas e gerais. Depois de um rolê superfaturado com Letícia e Raissa onde o livro ‘O Avesso da Pele’ foi pauta, lembrei que tinha a versão e-book da parceria com a Companhia das Letras em 2021 e resolvi dar uma chance. Devorei o livro em poucos dias e eis que estamos aqui. Vamos de resenha?

 

Título: O Avesso da Pele
Autor: Jefferson Tenório
Páginas:192 páginas
Editora: Companhia das Letras

Sinopse: Um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude, O avesso da pele é uma obra contundente no panorama da nova ficção literária brasileira.Vencedor do Prêmio Jabuti na categoria “Romance Literário”. O avesso da pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. Com habilidade incomum para conceber e estruturar personagens e de lidar com as complexidades e pequenas tragédias das relações familiares, Jeferson Tenório se consolida como uma das vozes mais potentes e estilisticamente corajosas da literatura brasileira contemporânea."Não é de graça que Tenório, além de autor premiado, é tão bem acolhido pelo público e pela crítica. Ele não faz turismo, safári social, na desgraça geral do país, não faz da crítica à desigualdade um truque, um atalho apelativo e barato, panfletário, para ter mais aceitação, reconhecimento. Estamos diante de um escritor que, correndo todos os riscos, sabe arquitetar uma boa trama e encantar o leitor. Por muitas vezes durante a leitura eu disse para mim mesmo: como ele consegue construir personagens tão reais e fáceis de serem amados? Eu agradeço, a literatura brasileira agradece." ― Paulo Scott"Através de um profundo mergulho em seus personagens, O avesso da pele consegue abordar as questões centrais da sociedade brasileira. E o mais potente nisso tudo é que, aqui, o real e as reflexões partem sempre de dentro pra fora." ― Geovani Martins* Leitura obrigatória dos vestibulares do ITA e UFRGS.

Eu já sabia do hype desse livro (que, adianto, é totalmente merecido) e as polêmicas que trouxeram o nome do livro de volta ao hype após o governo do Paraná pedir o recolhimento de 2.000 unidades do livro que vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, sob alegações de que as cenas de sexo descritas no livro infringem o ECA. No entanto, comecei a leitura sem ler a sinopse ou alguma resenha e confesso que foi uma boa escolha, já que o livro me arrebatou do início ao fim.

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Nós acompanhamos o relato de Pedro, um jovem negro que recém perdeu o pai. A narração, inicialmente, me deixou um pouco confusa, mas quando me situei na lógica, não me perdi mais - dito isto: não há problema algum com a narração e sim a atenção desta pessoa que vos fala (talvez os 29 já tragam sinais de velhice). Em trocas temporais entre a infância de seu pai, de sua mãe e a própria, Pedro relata desde o racismo vivenciado no sul do país, especialmente na cidade de Porto Alegre, até problemáticas que envolveram o crescimento de seus pais e que interferiram no relacionamento dos dois como abandono, morte e luto, relacionamentos anteriores e o racismo, também.


Como Chimamanda diz e gosto sempre de citar: um romance nunca é sobre uma coisa só. E aqui em O Avesso da Pele, Jefferson Tenório nos faz refletir sobre pontos que nós, a geração que fala abertamente sobre dores e que busca terapia por conta própria, já trouxemos a tona: a necessidade de enxergar nossos pais como pessoas individuais antes de serem nossos pais. Trazendo a minha experiência pessoal, a terapia (um beijo, Leandro) e maturidade me fizeram entender a minha mãe e todas as nuances da vivência dela como mulher ao longo da vida e, a partir disso, perdoei e até esqueci falhas como mãe. Entender que muitas vezes as falhas da outra pessoa dizem muito mais sobre as falhas que tiveram com ela no passado nos exime da culpa que acreditamos que é nossa.


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E esse livro me acalentou muito nesse sentido, pois ao narrar a trajetória do pai Henrique, Pedro vai compreendendo todas as nuances de um homem negro crescendo nos anos 1980 e 1990 no sul do país e todas as tentativas que, enquanto homem negro, pai, professor e cidadão, Henrique acertou ou falhou em sua trajetória.

O livro apresenta ainda questões como relacionamento interracial, colorismo, descaso social com jovens e recém adultos (os chamados “fracassados” ou que “não deram certo” por serem pobres e pretos) e como, muitas vezes, é difícil acreditar que estamos algo para mudar as coisas já que, dentro do sistema, somos insignificantes. Violência policial é um dos principais temas abordados em diversas nuances e particularidades e eu estaria mentindo se a verdade sobre Henrique vai se aproximando e temos a certeza sobre o motivo de Pedro falar sobre não fez chorar, porque fez. E muito.

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Mais uma vez, um livro nunca é sobre uma coisa só e ‘O Avesso da Pele’ é sobre raça, sim, mas é sobre muitas outras coisas. É uma leitura para entender que a vida não é 8 ou 80 e para entender racismo e ser antirracista é preciso, antes de tudo, enxergar as pessoas pretas para além de número. No entanto, enxergar-nos para além de uma ameaça já é um bom começo.

E aí, já leu esse livro?
O que achou da resenha? Conta pra mim!

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