É censura quando a dignidade e a vida do outro são feridas?

 

A 1ª Bienal do Livro de Aracaju, que acontece nos dias 17 e 18 de maio, mal começou e já se tornou em uma das maiores problemáticas literárias da capital sergipana. Esse que era forte candidato para ser um dos eventos principais da cidade, já que não há eventos desse porte aqui, acabou se envolvendo numa polêmica pra lá de pesada ao anunciar a presença de Paulo Rodolpho como autor confirmado no evento.

Mas quem é Paulo Rodolpho e por que a presença dele num evento desse porte incomoda?

Caso Genivaldo

Para entender, precisamos voltar a maio de 2022, quando Genivaldo Santos foi morto por três policiais rodoviários federais em uma abordagem truculenta no km 180 da BR-101, em Umbaúba, Sergipe. Segundo depoimento registrado no boletim de ocorrência, Genivaldo foi parado por não usar capacete enquanto pilotava uma moto. No entanto, a infração resultou na morte de Genilvado que foi colocado no porta-malas do carro da PRF, já com os vidros fechados. Os policiais jogaram gás e fecharam o compartimento. Genivaldo se debateu, com os pés para fora do porta-malas, enquanto os policiais pressionavam a porta. Você pode conferir com detalhes nessa reportagem do G1 SE.

O caso teve repercussão internacional diante da crueldade da abordagem, principalmente pelo fato de Genivaldo ser um homem com transtornos mentais, fato que foi comprovado no momento da abordagem pelo sobrinho dele, Wallison de Jesus, que afirmou que os policiais encontraram remédios para tratamento para esquizofrenia no bolso da vítima. Wallison, o sobrinho, explica que o tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito para ser abordado. No BO, os policiais afirmam que Genivaldo ficava passando a mão pela cintura e pelos bolsos e não obedecia às suas ordens e que, por isso, precisaram contê-lo.

Aprisionar um homem com transtornos mentais em um carro e deixá-lo numa câmara de gás improvisada, realmente, era a única saída para uma abordagem sem drogas, sem álcool, sem qualquer objeto roubado ou furtado ou qualquer outro crime que não uma infração de trânsito?

Bienal do Livro, presença confirmada e nota de esclarecimento que não esclarece nada

Paulo Rodolpho, William Noia e Kleber Freitas estão presos conforme matéria do G1 SE já apresentada neste post. No entanto, a presença de Paulo Rodolpho na 1ª Bienal do Livro de Aracaju foi confirmada. Após repercussão negativa, a publicação foi apagada, mas nada foi dito sobre o assunto por dias. O caso teve notoriedade na imprensa sergipana, chegando a ser matéria no Jornal SE 2ª Edição, da TV Sergipe, afiliada a Rede Globo. Inclusive, ao ser procurada pela TV, a organização do evento disse não saber como a publicação foi feita e nem quem tinha confirmado a presença do autor.

 

Pois é. No dia 05 de maio, finalmente veio o posicionamento do evento que, bem, não disse nada. No melhor tipo camisa branca, maquiagem leve, cabelo amarrado e “quem me conhece sabe” a organização afirmou que foi um equívoco já que o post gerou um “entendimento incorreto”. Nos comentários, um show de horrores com pessoas afirmando se tratar de censura, dizendo ser um evento partidário e que não se pode falar em democracia se um livro como o de Paulo Rodolpho não pode ser exposto em eventos como esse.

 

 

Mas então…. é sério?

A polarização política que vivemos e que, inclusive, é retratada no filme Guerra Civil, atualmente nos cinemas e que conta com o brasileiro Wagner Moura como protagonista, fez as pessoas entenderem que é 8 ou 80 e que se uma coisa é X, o contrário é automaticamente Y. Desde 2018 que as pessoas se sentem confortáveis em ser o pior de si mesmas e diretos básicos de pessoas marginalizadas são tidos como regalias e que direitos humanos só são válidos se não forem direcionados a pretos, pobres, mulheres, comunidade lgbtqiapn+, imigrantes, e dentre outras pessoas que, bem… não sejam brancas, padrões e ricas - e homens.

O que para nós são coisas BÁSICAS a serem compreendidas, para essas pessoas torna-se difícil entender a importância de valorizar a vida do outro e a dignidade do outro para que a minha vida e dignidade sejam valorizadas e respeitadas, também. A partir do momento que uma obra que apresenta um viés nazista e justifica as atrocidades na morte de um homem preto, pobre, marginalizado e diagnosticado com uma doença mental é aclamada e tida como atração num evento, estamos dizendo que vidas de pessoas como Genivaldo não importam.

A intolerância não deve ser tolerada para que o caos não se expanda. Quando ideais absurdos que prejudicam não só a vida do outro, mas a sociedade como um todo, são tolerados pelo viés do direito de expressão, cada vez mais Adolf Hitlers se levantarão e trarão a desordem e o caos social tendo como base o desrespeito, a intolerância e a violência. E não há resultado que não seja a barbárie. O único jeito de evitar a barbárie é cortando o mal pela raiz.

Então, se chegou até aqui e ainda não entendeu, vamos responder o título deste post de forma clara: não é censura. É justiça.

Encerro esse post com o texto É Preciso Agir, de Bertold Brecht, para que entendamos que quando ignoramos a dor do outro, seremos ignorados não muito tempo depois.

 

É PRECISO AGIR
Bertold Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.


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