Como o elitismo e a gourmetização dos cosméticos para cacheadas e crespas têm sido nocivos
Foto: Quzelkurt (Pinterest) |
Se você acompanha o blog há algum tempo, já deve ter notado que os posts sobre produtos para cabelos cacheados, que por muito tempo foram os principais responsáveis pelo alcance deste blog, sumiram de uns tempos para cá. Seja pela vida adulta me engolindo e não mais tendo o tempo para dedicar ao cuidado dos cabelos, seja pela crescente problemática envolvendo a indústria capilar, a gourmetização e elitismo que parecem ter tomado conta deste meio, também.
Eu comecei minha transição capilar em 2013, numa época em que as blogueiras desse segmento eram tão poucas que era possível contar nos dedos de uma mão. Foi nessa época que nomes como Gabi de Pretas, Fala Dantas, Ana Lidía Lopes (ainda muito novinha), Jacy July e muitas outras ganharam notoriedade por falarem sobre transição capilar e cuidado com curvaturas que, até então, não eram o foco do segmento de beleza no famigerado YouTube. Foi nessa época, também, que a Salon Line, pioneira no ramo, trouxe uma infinidade de produtos com foco em cabelos cacheados e crespos, lançando, inclusive, a Casa #Todecacho, reunindo 10 YouTubers cacheadas e tendo todo o foco voltado para as mais variadas curvaturas, produtos, finalizações e a temática capilar.
Era o céu de meninas e mulheres que passaram anos não encontrando produtos para nosso tipo de cabelo e que, agora, tinha todo um foco por parte de uma marca que, pelo alcance absurdo, chamou a atenção de outras. Seda lançou a linha boom, Skala surge com o custo benefício dos potões (um deles muito conhecido por nós crianças e adolescentes dos anos 2000, o Skala tradicional coquetel de 3 cores), Nielly Gold incluiu a linha cachos em seu acervo, cremes de mercado baratinhos como Monange cachos ganharam os holofotes através das blogueiras que sempre garimpavam os melhores produtos. Vale lembrar que a Seda lançou, inclusive, linhas em parceria com YouTubers do segmento, tamanha a proporção que o universo cacheado tomou.
E eu nem vou entrar no mérito das receitinhas caseiras que todas nós já usamos e fingimos que não.
Mas isso foi há cerca de 10 anos, numa uma época onde Lola, Arvensis, Ápice e Widi Care não existiam — ou, se existiam, não davam foco necessário para cachos e crespos como as marcas já citadas trabalhavam. De lá pra cá, todo o trabalho iniciado por essas marcas e blogueiras deixou de ser novidade e passou a ser o cotidiano de todas nós, o cuidado com os cabelos cacheados nos é comum; é possível encontrar salões especializados nesse segmento com tanta facilidade quanto os salões para alisamentos e cuidados com lisos. As prateleiras dos supermercados exibem a variedade de produtos e, falando por mim, não é mais preciso comprar pela internet ou precisar ir até outra cidade comprar o que desejava; tudo é muito mais fácil.
No entanto, não é preciso ir muito longe nas redes como Tik Tok e Instagram para ver meninas e mulheres criticando “as marcas com S” (Seda, Skala, Salon Line) e trazendo críticas ao uso de certos produtos, afirmando que deixam o fio poroso, ressecado e com diversos problemas que só tratamento especializado podem recuperar.
Mas será mesmo? Não passamos todas nós anos e anos usando as tais marcas e tivemos bons resultados? Será MESMO que “as marcas com S” se tornaram um problema ou não estamos todas caindo no conto do capitalismo e tendo aversão a coisas mais baratas, possíveis de serem pagas, para entrarmos no novo padrão e pagando caro em produtos que, não necessariamente, vão servir para nós como serviram para as outras?
Esses dias, vi alguns vídeos no Tik Tok de mulheres com a mesma indignação e uma delas cita, ainda, que a discussão tem tomado proporção ao ponto de meninas deixarem de comer para poderem pagar caríssimo em produtos capilares. Falando por mim, tive uma experiência péssima num salão, não só pelo tratamento feito com Arvensis que deixou o meu cabelo horrível, como também por duras críticas feitas pela cabeleireira que chegou a dizer que eu deveria “tomar vergonha na cara” e pagar caro em produtos porque “você trabalha em um lugar que deve pagar bem”. Sendo uma mulher que mora sozinha e, consequentemente, todas as contas são pagas pelo fruto do trabalho, devo dizer que um creme de cabelo custando mais de R$ 50, definitivamente, não é minha prioridade.
Mas sim, eu posso pagar, eu só não quero. Essa, não é, no entanto, a situação de diversas meninas e mulheres que são constantemente bombardeadas por conteúdos nas redes criticando-as pelo uso de marcas mais em conta e, até mesmo, sendo chamadas de pobres num discurso muito polido, mas carregado de elitismo.
Essa não é uma defesa pelas marcas mais baratas pois, no fim das contas, todas querem o nosso dinheiro. Mas se passamos tanto tempo argumentando que cachos e crespos são características, em sua maioria, de pessoas negras que são 54% da população brasileira e que, infelizmente, ainda estão em posições sociais mais baixas, como podemos agora encher a boca e dizer a mulheres e meninas negras que elas PRECISAM pagar caríssimo em produtos capilares?
Volto a perguntar: marcas mais baratas são REALMENTE um problema ou só estamos, dia a dia, caindo no papinho do capitalismo que tenta sempre nos vender felicidade e pertencimento através de produtos e serviços feitos para pessoas ricas?
E digo mais: as marcas caras só serão tendência até que caiam no gosto do povo mais pobre. Depois, elas serão coisa de “baranga” e virão outras, mais caras e inacessíveis, para deixar bem claro a diferenciação de classes que temos. Sabe por quê, princesa? Porque é assim que o capitalismo funciona. E todas essas blogueiras que enchem a boca para criticar os resultados de marcas baratas que meninas e mulheres mais pobres podem pagar, são apenas peões nesse jogo xadrez onde os ricos ganham dinheiro e os pobres caem no conto.
É que o de cima sobe e o de baixo desce, não é assim?
No mais, eu e minha casa continuamos usando Salon Line, Novex e Monange. E eu tô doida pra testar os novos cremes de fruta da Skala e a linha Seda Boom reformulada, porque graças a Deus meu cabelo tem consciência de classe (mas fica aqui registro de que paguei R$ 180 em 3x num kit da Ápice e foi O MAIOR ARREPENDIMENTO DA MINHA VIDA. Uso o Juba e gosto, mas o Divino Potão deixa meu cabelo tão bonito quanto ou até mais).
Em terra de chapinha, quem tem cachos precisa abrir os olhos ou, daqui a pouco, volta a moda de cabelo alisado e vai estar todo mundo alisando porque vai ser #trend, pois é assim que o capitalismo nos enxerga: apenas um bando de gente com dinheiro, pronta pra gastar. Parabéns, cacheada! Você acabou de cair no papinho do capitalismo!
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