Nós falamos das mulheres em março, das mães em maio, da comunidade LGBTQIAPN+ em junho, dos pais em agosto, das crianças em outubro e dos negros em novembro. Todo ano é a mesma coisa.
Mas as mulheres ainda são mulheres pelo resto do ano, as mães ainda são mães pelo resto do ano, a comunidade LGBTQIAPN+ ainda é LGBTQIAPN+ pelo resto do ano, as crianças tendem a serem até atingir a pré-adolescência, pais costumam ser ausentes pelo resto do ano e os negros, olha só que surpresa, também permanecem negros pelo resto do ano.
Essa não é uma crítica à data de 20 de novembro e sua transformação histórica em feriado nacional desde 2024. Muitíssimo pelo contrário — e se você veio aqui esperando um "somos todos iguais, eu não vejo cor", você veio para o lugar errado.
No entanto, existe uma percepção errada sobre novembro e que muitas pessoas negras estão cansadas de falar a respeito: nossos trabalhos, nossas artes e nossa existência vão além de um mês.
Quando o blog Apenas Fugindo era mais ativo, lá em 2021, eu fui cobrada por não ter feito um conteúdo voltado para o mês de novembro e chamada de arrogante quando respondi "amor, o blog é negro o ano todo". E ele o é.
Me parece uma necessidade de ser bajulado e gratificado por ter dedicado um mês de seu tempo para escritores negros e, quando pessoas negras não o fazem, somos tidas como arrogantes e – por que não? – prepotentes. E digo mais: as obras escolhidas para as leituras de novembro me parecem ser, também, focadas única e exclusivamente sobre questões raciais.
Deixa-me lhe contar algo extraordinário: pessoas negras escrevem outras coisas. Muitas coisas. Milhares de coisas. Uma literatura negra se fundamenta naquilo que o escritor é e se compreende como, e não naquilo que ele escreve. A negritude não está focada única e exclusivamente na discussão racial. Samba é negritude. Capoeira é negritude. Pois estão diretamente conectados a quem os criou e difundiu.
Há muitos novembros, eu sou lembrada como uma escritora negra, mas desde 2023, há uma menção maior a minha obra de não-ficção, Mulheres Negras e Literatura. O que é ótimo, pois quanto mais pessoas lerem este livro, mais outras poderão compreender melhor a ficção voltada para mulheres negras.
Como bem disse Conceição Evaristo em Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (2009),
“em síntese, quando escrevo, quando invento, quando crio a minha ficção, não me desvencilho de um ‘corpo-mulher-negra em vivência’ e que por ser esse ‘o meu corpo, e não outro’, vivi e vivo experiências que um corpo não negro, não mulher, jamais experimenta”.
Todas as minhas obras são válidas para uma "literatura negra", sejam elas debates sobre questões raciais ou não, porque eu sou negra. E a minha negritude basta. O dia 20 de novembro existe e continuará existindo como uma data de celebração pela luta, pela resistência e pela existência de pessoas negras brasileiras. Mas, permita-me lhe chocar aqui uma última vez:
A luta, a resistência e a existência permanecem ao longo de cada um dos 365 dias do ano.




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