CONTO ― She's terrible in love


         Ela tinha acabado de chegar, ele quem tinha aberto a porta para a moça. A atenção dada tinha sido pouca diante da urgência que os afazeres do outro tinham. Rapidamente, ele se dirigiu até a mesa, logo ali, próximo à porta do apartamento, rumando cadernos, calculadora, notebook e muitos, mas muitos cálculos. Ela, que tinha acabado de assistir duas palestras não muito interessantes, sentou-se no sofá ao lado oposto da mediana sala do local, esticando as pernas e procurando por nada de útil nas redes sociais do celular.
        
         Enquanto ria de qualquer bobagem no facebook, ela ouviu um suspiro pesado, seguido de um murmúrio de reclamação. O rosto se ergueu e o os olhos se fixaram nele, do outro lado da sala, com uma expressão levemente brava – e que ela julgou muito fofa! –, tendo a mão direita afundada nos próprios cabelos em um claro sinal de cansaço mental. “Semana de provas sendo semana de provas”, pensou ela, ao fitar a preocupação alheia e que, infelizmente, ela não podia fazer nada a respeito. Um suspiro, agora, saía dos lábios femininos e ela voltou ao aparelho celular que tinha nas mãos, mas não por muito tempo.

         Timidamente, os olhos astigmáticos – e que não portavam os óculos por pura imprudência – passaram a observar a figura alheia como há muito, ou talvez nunca, havia feito. Preocupado, com os olhos fixos no caderno a sua frente, ele parecia ainda mais bonito com um discreto bico inconformado nos lábios. Os cabelos, enormes e precisando de um corte urgente, pareciam ter o efeito contrário do que ela – e a maioria – sempre reclamava, deixando-o ainda mais único. A falta da barba não poderia deixar de ser notada, fazendo-o parecer ter uns três anos a menos e, é claro, ela havia adorado isso. Um pequeno sorriso adornou os lábios da moça que, num lapso, percebeu que poderia ser flagrada não só por ele, como também pela dona do apartamento, que poderia sair de seu quarto a qualquer momento.

         A contragosto, ela deixou sua gratificante observação de lado e pegou o livro que estava ao seu lado, um exemplar que levara consigo para momentos de tédio. Aquele era um momento oportuno. Não que ela estivesse tediosa, é claro, mas não havia nada melhor (além de observá-lo) para fazer. Recolheu os óculos, abriu na página 90, separada com um dos seus marcadores temáticos de Londres, e ela se permitiu adentrar aos relatos de Anne Frank em seu anexo secreto, em 1943. O dia, 13 de janeiro do ano citado, parecia extremamente interessante para a moça de cabelos cacheados, pois logo se viu entretida na história da menina holandesa e nem mesmo percebeu quando alguém se aproximava sorrateiramente de si.

         Sentando-se no curto espaço entre a morena e o braço do sofá, ele apoiou as mãos no estofado, deixando-a parcialmente presa à ele. A moça, que aguardou até o fim do relato específico para mudar o seu foco, ergueu o rosto e o olhou por cima dos óculos quadriculados, arqueando uma sobrancelha. Ao encará-lo, percebeu que os grandes olhos castanhos fitavam sua boca e ela se permitiu sorrir, mesmo que pequeno, notando que a cada segundo os corpos pareciam mais próximos.

         - Você sabe que depois de hoje a gente só vai se ver no sábado, né? – Perguntou ele, com a voz baixa, ainda concentrados nos lábios dela.
        
         - Sei sim. E daí? – Respondeu a moça, deixando o livro aberto recostado na própria barriga, pendendo a cabeça para o lado, questionadora.

         - E daí que você deveria se aproveitar desses poucos minutos... – O espaço, que já parecia inexistente entre eles, agora era ainda menor. – não acha?

         Ela riu, ao mesmo tempo que rolou os olhos e então o puxou para perto de si, fazendo com que finalmente aquela tortura acabasse. Os lábios, que por mais acostumados que estivessem com o toque dos outros, pareciam descobrir um novo gosto toda vez que os beijava. As mãos deixaram com que toda a vontade de tocar os grandes cabelos alheios fosse embora, afundando os finos dedos nas madeixas escuras, como tanto gostava de fazer.

         O coração... bem, esse já tinha se esquecido como bater, desde o momento em que o rapaz se sentara ao seu lado. Ou melhor, desde quando, ao esperar pela presença da outra garota, ele quem abrira a porta, fazendo-a esquecer, por pelo menos dois segundos, o que fazer, dizer ou pensar.

         Olhando por esse ângulo, se tinha uma coisa que ela estava, com toda certeza, essa coisa era apaixonada.

         Terrivelmente apaixonada.

4 Comentários

  1. Excelente texto! Textos com inspirações súbitas são sempre interessantes e muito bons, principalmente se forem baseados nas boas e velhas histórias reais de amor.

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    1. Ora ora quem está marcando presença pelos comentários deste blog!
      Muito obrigada pelos elogios, meu jovem, e você é suspeito pra falar sobre os motivos desse texto, né? HAHA <3

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  2. Que lindo! Gosto muito da sua narrativa. Ela é leve, gostosa de ler, e conseguiu me criar uma expectativa do começo ao fim, aquela ansiedade boa que faz a gente ler rápido para saber logo o que vai acontecer, sabe? Gostei muito mesmo! Depois vou ler mais dos seus textos! =)

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    1. Oi, moça! Olha você por aqui <3
      Fico feliz que você tenha gostado da minha narrativa, e olha, essa não é uma das minhas histórias mais... impactantes HAHA foi uma situação que aconteceu e eu desejei escrever, então, saber que gerou essa expectativa de leitura em um enredo tão simples, me deixa bastante feliz.
      Obrigada mesmo! beijos

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