Recentemente, passei por uma situação desconfortável envolvendo fofoca. Apesar dos 30 anos recém-feitos, a vida já foi amarga demais, por diversas vezes, para que algo tão pequeno pudesse tirar minha paz. Você se pergunta, então, por qual razão estou eu aqui, escrevendo sobre isso. Afinal, temos a percepção de que só uma pessoa mal resolvida ainda fala sobre certas questões. Mas, como o título desta crônica já deixa claro, isso não é sobre mim.
A vida não é linear. Pessoas vivem saudáveis até os 90 anos, crianças morrem por doenças devastadoras ou por estarem no lugar errado e na hora errada. Pessoas terminam a faculdade aos 25, outras aos 40. Algumas engatam a graduação com o mestrado e o doutorado; outras dedicam anos na tentativa de ingressar no curso dos sonhos. E quando essa não linearidade nos atinge — quando, em meio às nossas lutas diárias para colocar um check nas nossas listas de fases da vida, vemos outras pessoas alcançarem objetivos de forma (aparentemente) simples — nós nos frustramos. E, frustrados por não alcançarmos nossas próprias metas dentro dos prazos que nós mesmos estabelecemos, descontamos nos outros, naqueles que superficialmente parecem ter atingido aquilo que querem.
“Ele deu sorte”, você pensa ao analisar uma foto da pessoa em questão aproveitando uma praia ou uma viagem cara, porque só está vendo o recorte, o momento do bônus dela, enquanto, dentro da sua própria jornada, você só enxerga o ônus. E, irritado, seu incômodo não é mais sobre uma frustração pessoal ou a não linearidade da vida, mas se torna sobre o outro: o que o outro tem, o que o outro conquistou, o que faz dele tão importante para que os objetivos dele sejam alcançados e os seus, não.
A vida me deu privilégios, mas me tirou muitos outros. E, sem esses privilégios ao meu alcance, foi preciso buscar trajetos, forjar possibilidades, chutar portas para que elas fossem abertas. É uma análise que nem todo mundo consegue fazer e que talvez só aqueles que estiveram em trajetórias parecidas com a minha possam entender: quando se caminha sem a mão do privilégio segurando a sua, nos é tirada a possibilidade de falhar. Porque, muitas vezes, não há suporte, não há chance de volta caso dê errado. Aquela chance é a única. E, ciente disso, a força e a dedicação depositadas vão além do necessário, o que, muitas vezes, nos adoece também. Nos coloca na posição de tomar decisões que não necessariamente são erradas, mas que não tomaríamos se não fosse preciso.
Por isso, quando a fofoca veio, quando palavras superficiais foram ditas sobre mim, primeiro fiquei bastante irritada por terem vindo da forma que vieram. Mas, depois de refletir, deixei a situação ir, porque: isso não é sobre mim. As falas, as reclamações e as farpas dizem muito mais sobre quem as disse do que sobre mim, de fato. Talvez a minha jornada incomode justamente pela não linearidade da coisa. Talvez o fato de ter vindo de onde vim, saído de onde saí, e de o meu gênero e a minha cor terem, supostamente, definido qual seria o meu destino faça com que as pessoas se incomodem ao perceberem que não.
Mas isso não é sobre mim. E, quanto mais cedo essa percepção vem, mais cedo sigo focada naquilo que, de fato, é sobre mim: a minha jornada. Que nunca foi fácil e, principalmente, nunca foi sorte.
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