Uma não tão comum quinta-feira

Recentemente, trabalhei na reinauguração de uma escola pública que leva o nome de uma das figuras mais importantes para a história negra brasileira. Pra mim, era só mais uma quinta-feira comum, já tinha feito aquilo outras 69 vezes. Eu já sabia o roteiro, o que fazer e com quem falar. Mas ali, para além do importante número 70 a ser celebrado, havia mais uma coisa a ser vista.

Falei com duas meninas, ambas negras e de cabelos cacheados muito bem cuidados e definidos, amigas da mesma turma. Fiz as perguntas de sempre: o que achou da reforma, como ia ser agora com sala climatizada, quais seriam os espaços que elas mais iriam aproveitar. Entrevistei as duas separadamente e em ambientes diferentes, elas não ouviram a fala uma da outra. Mas as duas disseram a mesma frase.

"Vou aproveitar mais a biblioteca. Quero ler e estudar para conquistar os meus sonhos". 

Eu e meus 30 anos, escritora nata, achei a coisa mais linda ver duas meninas tão novas pensarem tão longe e sonharem tão alto — e fazendo isso através dos livros. Segui meu roteiro, marquei check no meu planejamento, a solenidade se seguiu. Voltei à biblioteca para fazer imagens do lugar vazio, mas o ponto é: não estava. 

Todas as mesas estavam ocupadas e a sala em completo silêncio. Só se ouvia a fala ao longe de quem discursava na quadra, em meio ao evento. Ali, eles sequer me notaram. Cada um com seus livros, as duas meninas de mais cedo e outros estudantes, faziam o que me disseram que mais queriam fazer. 

Também conversei com a gestora da escola, uma mulher negra ciente do papel que exerce e da importância de estar a frente daquela unidade, naquela comunidade, e de como sua missão a fazer ir além do papel de direção — mas de "contribuir por uma escola mais digna e igualitária para todos", respondeu ela.

"Representa a possibilidade de mudar cursos de vida", disse um professor, homem negro de dreads que a todo momento recebia abraços dos estudantes que passavam. "Essa ação é um implemento ao nosso trabalho que já é de excelência e vai se tornar ainda melhor", finalizou o professor, ao mencionar a solenidade do dia.

Terminei minhas entrevistas, separei o material e um conteúdo, que não estava na minha lista pré-definida, nasceu. Porque ao ouvir tantas pessoas, das mais jovens às mais velhas que eu, entendi uma coisa que já tinha comentado com um amigo certa vez, mas que se materializava ali, naquela escola, com nome daquele que, de tão importante para pessoas negras brasileiras, teve a data de sua morte decretada como um dia de consciência.

Falamos muitas coisas, discutimos muitas coisas, debatemos muitas coisas. Mas ações são concretizadas e não ditas. Às vezes, o mudar o mundo ou fazer a diferença que a gente tanto almeja quando é um jovem calouro na faculdade ou na vida, é feito nas pequenas coisas. Seja no gesto, no olhar, no fazer, no se importar. 

Não foi uma quinta-feira comum. E que bom que eu estava lá.



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