Nunca
mais apareci por aqui com opiniões polêmicas e pensei que já era hora de
iniciar dezembro com um cancelamento HAHA Muito se discute o que é e o que não
é literatura, como autores devem se comportar, principalmente autores de
determinada minoria (sejam racial, LGBTQIAP+, nordestinos, nortistas, etc.) e
como seus livros devem seguir forma X ou Y de narração e enredo. Como já falei
das questões de representatividade, o post de hoje é sobre como o público
não-nordestino espera que autores nordestinos devem escrever.
Deixando
claro desde já: esse post não é uma cagação de regra. Esse post é um desabafo,
talvez polêmico e provavelmente cancelável.
Esses
dias peguei um livro de contos de uma autora nordestina renomada e, apesar de
ter começado muito bem, os contos iam se tornando caricatos e estereotipados, o
que me fez desistir da leitura. Saí do livro e fui conversar com uma amiga
maranhense e que já apareceu por aqui (Alô, Rute) e entramos numa conversa
muito profunda e cheia de desabafos sobre o que esperam de nós, como autoras
nordestinas, e como é horrível perceber que se não escrevemos sobre seca,
sofrimento, fome e negligência, com um filtro sépia para indicar o sol forte e
o grande calor, não somos autoras nordestinas o suficiente.
Isso
me levou a outra questão, é claro. O que mais gostamos da literatura é a
possibilidade de viajarmos para outros espaços, existentes ou não, seja lendo,
seja escrevendo. No entanto, parece uma audácia que nós, autores nordestinos,
possamos escrever em espaços que não o próprio nordeste, trazendo sempre as
questões citadas acima que, apesar de SIM, serem a realidade de algumas cidades
dentro dos 9 estados dessa região, não é a nossa única história a ser contada.
Fica
aqui a sugestão de leitura: ‘O Perigo de Uma História Única’, de ChimamandaNgozi Adichie, que já resenhei aqui, inclusive.
Então,
vamos direto ao ponto: sou uma autora com, até o momento, três livros
publicados. ‘O Bom Soldado’ (2020), um romance histórico ambientado no Brasil,
no Rio Grande do Norte (isso mesmo, foque nessa informação) mesclando ficção e
fatos reais; ‘Apenas Fugindo: o livro’ (2021) com contos e crônicas
originalmente publicados aqui, com histórias de romance, drama, questões
familiares, além de crônicas sobre feminismo, raça, amor próprio e outras
questões; e ‘Amor em lugares fechados’ (2021) um romance adolescente com casal
não-branco como protagonista, descobrindo essa coisa doida que é o amor.
Amor
em lugares fechados é
o meu livro mais bem-sucedido, por diversas questões sobre público-alvo,
literatura comercial, método de divulgação e ilustração de capa, mas esse não é
o ponto. Por se tratar de uma história originalmente escrita na minha
adolescência, decidi ser fiel a Thiarlley que começou esse livro, e mantive os
nomes (estrangeiros, pois na época, Thiarlley era a brasileira incompreendida
que queria ter nascido american girl). E eu sou constantemente
questionada – e, às vezes, invalidada – por essa escolha.
Não
importa se essas pessoas (ou a grande maioria delas) não conhecem as minhas
outras obras ou a minha trajetória como escritora num geral. Ou como o Rio
Grande do Norte foi importante na Segunda Guerra Mundial e essa foi a razão
para escolher a cidade de Parnamirim como espaço de ‘O Bom Soldado’ ou se os
demais contos e, principalmente, as crônicas apresentam a vivência de uma
mulher negra e nordestina. Se não temos o filtro sépia e todas as questões
sobre NORDESTE pela visão deles, logo, não é bom o bastante.
Isso,
obviamente, me incomoda. Eu não preciso me explicar. Não preciso ter que dizer
a escolha dos nomes ou porque (ainda) não tenho um livro ambientado em Sergipe.
Eu posso, inclusive, NUNCA escrever um livro ambientado aqui no Brasil, isso
não me faria menos escritora.
Talvez
uma grande otária com síndrome de vira-lata, mas ainda assim, não menos
escritora.
Eu
disse que era um post provavelmente cancelável.
Ao
que me parece, personagens escritos por pessoas nordestinas precisam, antes de
tudo, serem nordestinas, para que então sejam qualquer outra coisa. É, basicamente,
a mesma lógica de personagens negros, LGBTQIAP+ e outras minorias. Enquanto
personagens sudestinos (por e para), são qualquer coisa ANTES de serem
sudestinos.
O
termo sudestino nem EXISTE. Enquanto escrevo, o word não reconhece a palavra.
É
preciso parar de se compreender o Nordeste como uma coisa só, com as mesmas
vivências, mesma cultura e mesma lógica. Ao todo, são nove estados (mas isso
você já deveria saber, afinal, é geografia básica); Sergipe é o menor, do
Nordeste e do Brasil, e somos mais de DOIS MILHÕES. Compreender pessoas
nordestinas como um grupo homogêneo e esperar delas a mesma coisa, o tempo
todo, é, no mínimo, irracional (e até xenofóbico, né, meus amores?).
E
que fique claro: Nordeste é muito mais do que seca, sofrimento, fome e negligência,
com um filtro sépia de um lado e praias belíssimas cheias de turistas do outro.
Não temos as mesmas vivências, não conhecemos uns aos outros. Eu sou do
interior de Sergipe, de Tobias Barreto, e só conheci a praia aos 9 anos, nunca
morei num sítio e, principalmente, não sei como matar uma galinha.
Parem
de nos enxergar como uma coisa só. Pelo amor de Deus.
Esse
post é um desabafo sobre cagação de regras seletiva.
Talvez
polêmico.
E,
muito provavelmente, cancelável.
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